Zera Yacob

 Nota: Este artigo é sobre filósofo moderno inicial. Para imperador medieval, veja Zara Yaqob. Para atual príncipe herdeiro, veja Zera Yacob Amha Selassie.

Zera Yacob (Ge'ez: ዘርአ:ያዕቆብ zar'ā yāʿiqōb "Semente de Jacó," modernizado Zer'a Yā'iqōb; também escrito Zärˀä Yaˁqob, Zar'a Ya'aqob, ou Zar'a Ya'eqob; 1599–1692), foi um filósofo etíope do século XVII, de Tigré. Seu tratado de 1667, conhecido na língua gueês por Hatäta (inquérito), é constantemente comparado por acadêmicos ao Discours de la méthode (1637) de René Descartes.[1] Durante séculos, textos gueês foram escritos na Etiópia. Por volta de 1510, Abba Mikael traduziu e adaptou o Livro dos Sábios Filósofos árabe; uma coleção de ditos dos primeiros gregos pré-socráticos, Platão e Aristóteles, por meio dos diálogos neoplatônicos, também influenciados pela filosofia árabe e pelas discussões etíopes.[2]

O Inquérito de Zera Yacob vai além desses textos anteriores, pois ele argumenta em seguir o raciocínio natural de alguém, em vez de acreditar no que os outros dizem. Ele foi contemporâneo da ativista feminina Walatta Petros, cuja biografia foi escrita em 1672.

Biografia[editar | editar código-fonte]

Igreja do século XVII em Axum

Yacob nasceu em uma família tigreana de agricultores, próximo à Axum no Norte da Etiópia, antiga capital durante o império Axum. Mesmo seu pai sendo pobre, sempre incentivou a ida de Yacob às escola tradicionais, onde se tornou familiarizado com os Salmos de Davi e educado na religião cristã ortodoxa etíope. Ele foi denunciado ao Imperador Susenyos (r. 1607 - 1632), que havia se convertido ao catolicismo romano e queria que todos seus súditos seguissem seu exemplo.[3][4]

Recusando-se a adotar a fé católica, Yacob fugiu para o exílio com um pouco de ouro e o Livro dos Salmos. No caminho para Shewa, encontrou uma caverna no sopé do Rio Tekezé e viveu como eremita por dois anos, orando e desenvolvendo sua filosofia. Escreveu sobre sua experiência, "Aprendi mais vivendo sozinho em uma caverna do que quando estava entre os sábios. O que escrevi neste livro é muito pouco; mas em minha caverna eu meditei sobre muitas outras coisas."[5]

Após a morte do Imperador, o filho de Susenyos, Fasilides (r. 1632-1667), um fervoroso crente na Igreja Ortodoxa Etiópica, assumiu o trono, expulsou os jesuítas e exterminou a fé católica em de seu Reino em 1633. Yacob deixou sua caverna e se instalou em Emfraz; encontrou um patrono, um rico comerciante chamado Habta Egziabher (também conhecido como Habtu) e casou com a empregada da família.[3][6] Recusou-se a viver como um monge e escreveu que "a lei dos cristãos que propõe a vida monástica em superioridade ao casamento é falsa e não pode vir de Deus." Também recusou a poligamia, pois "a lei da criação ordena que um homem case com uma mulher."

Yacob tornou-se professor dos dois filhos de Habtu, e a pedido de um dos filhos de seu patrão, Walda Heywat, escreveu, em 1667, seu famoso Tratado investigando a luz da razão. Zera é mais conhecido pela sua filosofia ética em contraposição ao princípio da harmonia. Ele propôs que a moralidade da ação é dada a partir de seu impacto na harmonia mundial. Sua filosofia é teística em natureza. Embora acreditasse em uma divindade, a qual comumente chamava de Deus, rejeitava diversos tipos de crenças religiosas, e preferiu procurar a verdade observando o mundo natural. Em Hatata, seguindo os passos de grandes líderes eclesiásticos, aplicou a teoria da primeira causa à existência de Deus: "Se eu disser que meu pai e minha mãe me criaram, então eu devo procurar pelo criador de meus pais e dos pais de meus pais até que chegue ao primeiro que não foi criado como nós somos, mas que veio para este mundo de alguma outra forma sem ser gerado."[7][8] Entretanto, a existência de Deus não depende do intelecto humano, mas "Nossa alma tem o poder de ter o conceito de Deus e vê-lo mentalmente. Deus não deu esse poder sem propósito; como ele deu o poder, ele também deu a realidade."[9]

Pouco se sabe da vida posterior de Yacob. No entanto, acredita-se que ele viveu uma vida familiar realizada em Emfraz, e permaneceu lá pelos próximos 25 anos. Morreu em 1692, aos 93 anos.[3] O ano da morte de Yacob foi registrado por Walda Heywat em uma anotação ao Tratado.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Herbjornsrud, Dag. «Os africanos que propuseram ideias iluministas antes de Locke e Kant - 24/12/2017 - Ilustríssima». Folha de S.Paulo. Trad. Allain, Clara. Consultado em 2 de janeiro de 2020 
  2. «Yacob and Amo: Africa's precursors to Locke, Hume and Kant – Dag Herbjørnsrud | Aeon Essays». Aeon (em inglês). Consultado em 16 de junho de 2019 
  3. a b c Sumner, Claude (2004). «The Light and the Shadow: Zera Yacob and Heywat: Two Ethiopian Philosophers of the Seventeenth Century». In: Wiredu, Kwasi. A Companion to African Philosophy (em inglês). [S.l.]: John Wiley & Sons. ISBN 978-0-470-99737-6 
  4. Kiros, Teodros (2006). «Zera Jacob and Traditional Ethiopian Philosophy». In: Wiredu, Kwasi. A Companion to African Philosophy (em inglês). [S.l.]: John Wiley & Sons. ISBN 978-0-470-99737-6
  5. Sumner, Claude. «Ethiopian Philosophy» (PDF). Consultado em 16 de junho de 2019 
  6. «Treatise of Zera Yacob, Chapter XI». Ethiopian Philosophy (em inglês). 16 de junho de 2013. Consultado em 2 de janeiro de 2020 
  7. «Treatise of Zera Yacob, Chapter III». Ethiopian Philosophy (em inglês). 14 de maio de 2012. Consultado em 2 de janeiro de 2020 
  8. Encyclopaedia Aethiopica: D-Ha. Otto Harrassowitz Verlag. 2003, p. 1046.
  9. Sumner, Claude (1978). Ethiopian Philosophy, vol. III: The Treatise of Zara Yaecob and Walda Hewat: An Analysis, Addis Ababa: Commercial Printing Press. p. 120

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Teodros Kiros, "Zera Yacob and Traditional Ethiopian Philosophy," in Wiredu and Abraham, eds., A Companion to African Philosophy, 2004.
  • Enno Littmann. Philosophi Abessini. Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium, Vol. 18, Scriptores Aethiopici, Presses Républicaines, 1904. Contains the Ge'ez text of Zera Yacob's treatise.
  • Claude Sumner, Ethiopian Philosophy, vol. II: The Treatise of Zara Yaecob and Walda Hewat: Text and Authorship, Commercial Printing Press, 1976.
  • Claude Sumner, Ethiopian Philosophy, vol. III: The Treatise of Zara Yaecob and Walda Hewat: An Analysis, Commercial Printing Press, 1978.
  • Claude Sumner. Classical Ethiopian Philosophy, Commercial Printing Press, 1985. Contains an English translation of Zera Yacob's treatise and four other texts.
  • Claude Sumner, "The Light and the Shadow: Zera Yacob and Walda Heywat: Two Ethiopian Philosophers of the Seventeenth Century," in Wiredu and Abraham, eds., A Companion to African Philosophy, 2004

Ligações externas[editar | editar código-fonte]