Romantismo na Alemanha

Abtei im Eichwald, óleo sobre tela de Caspar David Friedrich.

O Romantismo alemão surge num contexto de resistência ao movimento Iluminista francês. A crítica é ao modo excessivamente racionalista e materialista de conceber o homem e o mundo que gera reduções positivistas. Por isto, o combate ao excessivo racionalismo e submissão ao método, que são características da filosofia analítica.

Esta forma de pensar (filosofia da linguagem), que é característica de um dos principais autores da filosofia da linguagem romântica alemã teve, entre outras, consequências para o pensamento político. Herder afirmou o caráter próprio de um período histórico ou civilização. Seria reducionista a atitude de procurar regras universais. Para explicar o pensamento de um povo é preciso se situar no momento histórico particular daquela sociedade. A Herder se atribui as noções relacionadas ao nacionalismo, historicismo e Volksgeist (espírito da nação), bem como se ressalta a sua liderança na "romântica revolta" contra o racionalismo e a fé na onipotência do método científico.

O chamado primeiro romantismo alemão (Frühromantik) foi um movimento filosófico marcado pela valorização da natureza, com inspiração nas ciências naturais em desenvolvimento (no campo da química, fisiologia, magnetismo e mineralogia, destacando-se figuras como Werner, Benjamin Franklin e Lavoisier como influências) e na concepção da filosofia grega de natureza como um grande organismo[1][2][3]. A tradição platônica, especialmente Plotino, e a tradição da teosofia (Swedenborg, Franz von Baader, Jakob Böhme) serão influências cruciais[2][4]. Outro traço marcante é a busca da filosofia como uma atividade coletiva, a ser desenvolvida em grupo (synfilosofia), e também em união com a ordem cósmica (synpráxis)[5]. Trata-se de um movimento interno ao idealismo alemão, filosoficamente falando, porém com autonomia própria como fenômeno cultural e social. Foi de grande relevância, também, a busca de expressão textual mediante várias formas: poema, fragmento filosófico, cartas reais e fictícias, tratados, ensaios, aforismos, diálogos filosóficos[6][7].

Estética antiga e moderna[editar | editar código-fonte]

Caminhante sobre o mar de névoa, de Caspar David Friedrich. Pintura símbolo do romantismo alemão, movimento que traz novo gás ao debate entre os antigos e os modernos na Alemanha no século XVIII.

Friedrich Schlegel e Johann Joachim Winckelmann abordaram as interações entre a tradição clássica e a produção artística e literária moderna na Alemanha.[8]. Schlegel faz uma abordagem romântica - ou pré-romântica - ao debate,[9] argumentando que a arte e a literatura modernas possuíam uma riqueza emocional e uma complexidade que os clássicos antigos não podiam igualar. Ele defendia a valorização da individualidade, da subjetividade e da liberdade criativa na produção artística.[10]

Johann Joachim Winckelmann, estudioso da arte e da arqueologia, em sua obra Descrição de Apolo em Belvedere e Pensamentos sobre a imitação de obras gregas em pintura e em escultura (1755),[11] defendeu a superioridade das esculturas antigas gregas, vendo nelas um ideal de beleza e perfeição estética que faltava na produção artística moderna.[12] Ao defender a estética clássica, os trabalhos de Winckelmann estimularam reflexões sobre o valor e a importância das influências clássicas na arte e na cultura alemã.[13] Além disso, Winckelmann trouxe a emoção a um debate dominado pela razão, além de abordar temas pagãos na literatura alemã, abrindo espaço para um diálogo com os antigos e um debate sobre os clássicos que foi desenvolvido posteriormente por Friedrich Schiller e Johann Wolfgang von Goethe.[14]

Além disso, os pensadores românticos tiveram um papel significativo na Querela dos Antigos e dos Modernos na Alemanha. Valorizando a emoção, a imaginação e a conexão com o passado, eles defendiam uma visão mais subjetiva e individualista da produção artística, afirmando que a arte moderna poderia expressar sentimentos e emoções de maneiras mais profundas e autênticas do que os clássicos antigos.[15]. Apesar disso, os românticos não se colocavam como oposição aos clássicos, reconhecendo o valor dos ideais dos antigos, mas querendo amplia-los com a modernidade, buscando, segundo Schlegel, “a perspectiva de um classicismo crescendo sem limites”.[16] Outros românticos, como Goethe, têm como ponto central de seu pensamento uma elaboração de uma identidade endêmica ao seu tempo com relação ao pensamento e às artes, demonstrando as divergências internas do próprio movimento romântico alemão quanto à Querela dos Antigos e dos Modernos.[17]

A filosofia e poesia desenvolvem nexos frutíferos nesse período. Para Novalis e o jovem Schelling - pelo menos em um breve momento de sua obra, o Sistema do idealismo transcendental de 1800 -, a arte estará acima da filosofia, servindo de modelo a esta[18][3][6]. Schelling refletirá sobre as várias artes de seu tempo (arquitetura, música, pintura, escultura, poesia lírica, épica e dramática) a partir de conceitos de sua própria filosofia, sendo central a ideia de produtividade da natureza nessas reflexões. É o caso, inclusive, da poesia, que resgataria sons e ritmos do próprio mundo natural. Para Schelling, a oposição “antigos e modernos” aparece nos temas das artes, sendo artes plásticas mais voltadas para a natureza, como as mitologias greco-romanas, e as artes da palavra mais voltadas ao mundo da história e da providência, tal como na mitologia cristã[3]. Friedrich von Hardenberg (Novalis), por sua vez, desenvolverá a relação entre poesia e filosofia como complementar, esta fornecendo reflexão conceitual para traduzir os conteúdos daquela, e aquela enriquecendo a filosofia com intuições e segredos sobre o mundo interior e a pré-história humana[19][4][2][18].

Escritores e filósofos[editar | editar código-fonte]

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Moritz Daniel Oppenheim Heinrich Heine, 1831, Kunsthalle Hamburg
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Joseph von Eichendorff

Artistas visuais[editar | editar código-fonte]

Philipp Otto Runge, Autorretrato, 1802-1803, Kunsthalle, Hamburgo

Arquitetura[editar | editar código-fonte]

Karl Friedrich Schinkel. Projeto de uma igreja em Oranienburger Vorstadt, Berlim

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Assumpção, Gabriel Almeida (29 de outubro de 2015). «Crítica do juízo teleológico e organismo em Kant e Schelling». DoisPontos (2). ISSN 2179-7412. doi:10.5380/dp.v12i2.38898. Consultado em 23 de dezembro de 2023 
  2. a b c Uerlings, H. Friedrich von Hardenberg, genannt Novalis. Werk und Forschung. Stuttgart: J. B. Metzler, 1991.
  3. a b c Assumpção, G. A. Criação das artes plásticas e produtividade da natureza em Friedrich Schelling. São Paulo: Edições Loyola, 2022.
  4. a b Novalis. O esboço geral: notas para uma enciclopédia romântica. Trad. G. A. Assumpção. São Paulo: Dialética, 2023. ISBN 9786525297880 (E-book), ISBN 9786525297873 (livro impresso)
  5. Assumpção, G. A; Guimarães, B. G.; Otte, G.. “Aprendendo sobre e com os românticos alemães”. In: Guimarães, B. A..; Assumpção, G. A;. G.; Otte, G.. (Orgs.) O romantismo alemão e seu legado. São Paulo: LiberArs, 2023, p. 9-11, ISBN 9786559531295.
  6. a b Assumpção, G. A; Ferreira, L. R. “Críticas à subjetividade moderna em Friedrich von Hardenberg (Novalis) e Friedrich Schelling.” In: Guimarães, B. A..; Assumpção, G. A;. G.; Otte, G.. O romantismo alemão e seu legado. São Paulo: LiberArs, 2023, p. 111-125.
  7. Bittencourt, V.. “Dorothea Schlegel: emancipação feminina e ruptura com a tradição.” In: GUIMARÃES, B. A.; ASSUMPÇÃO, G. A;. G.; OTTE, G. (Orgs.). O romantismo alemão e seu legado. São Paulo: LiberArs, 2023, p. 217-229.
  8. Goubet 2005, p. 263.
  9. Silva 2011, p. 78.
  10. Silva 2011, p. 83-85.
  11. Université des sciences humaines de Strasbourg 1999, p. 2-4.
  12. Rufinoni 2014, p. 333.
  13. Rufinoni 2014, p. 322-324.
  14. Couto 2015, p. 12-13.
  15. Heitz 2007, p. 387.
  16. Andrade 2008, p. 188-189.
  17. Andrade 2008, p. 190-192.
  18. a b Assumpção, Gabriel Almeida (8 de julho de 2022). «Filosofia sincrítica e poesia em Friedrich Von Hardenberg [Novalis]; Syncritic philosophy and poetry in Friedrich Von Hardenberg [Novalis]». Sofia (1): 37–49. ISSN 2317-2339. doi:10.47456/sofia.v11i1.31891. Consultado em 26 de dezembro de 2023 
  19. Assumpção, G. A. “Poesia transcendental, contos de fadas e o acesso aos segredos em Friedrich von Hardenberg (Novalis).” In: Guimarães, B. A..; Assumpção, G. A;. G.; Otte, G. (Orgs.). O romantismo alemão e seu legado. São Paulo: LiberArs, 2023, p. 41-52.
  20. Vaughan (2004), 7.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Andrade, Pedro Duarte de (outubro de 2008). «Neo, pós ou anticlassicismo: a forma romântica de olhar para a antiguidade grega». Revista O que nos faz pensar. 17 (24): 187-202. Consultado em 1 de junho de 2023 .
  • Assumpção, G. A; Guimarães, B. G.; Otte, G.. “Aprendendo sobre e com os românticos alemães”. In: Guimarães, B. A..; Assumpção, G. A;. G.; Otte, G.. (Orgs.) O romantismo alemão e seu legado. São Paulo: LiberArs, 2023, p. 9-11, ISBN 9786559531295.
  • Assumpção, G. A. Criação das artes plásticas e produtividade da natureza em Friedrich Schelling. São Paulo: Edições Loyola, 2022, ISBN 9786555041965.
  • Assumpção, Gabriel Almeida (29 de outubro de 2015). «Crítica do juízo teleológico e organismo em Kant e Schelling». DoisPontos (2). ISSN 2179-7412. doi:10.5380/dp.v12i2.38898. Consultado em 21 de dezembro de 2023.
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  • Benz, Ernst. The Mystical Sources of German Romantic Philosophy, translated by Blair R. Reynolds and Eunice M. Paul. London: Pickwick Publications, 2009. ISBN 978-0-915138-50-0. (Original French edition: Les Sources mystiques de la philosophie romantique allemande. Paris : Vrin, 1968.)
  • Bittencourt, V.. “Dorothea Schlegel: emancipação feminina e ruptura com a tradição.” In: Guimarães, B. A..; Assumpção, G. A;. G.; Otte, G. (Orgs.). O romantismo alemão e seu legado. São Paulo: LiberArs, 2023, p. 217-229, ISBN 9786559531295.
  • Börsch-Supan, Helmut. Caspar David Friedrich, translated by Sarah Twohig. New York: George Braziller, 1974. ISBN 0-8076-0747-9.
  • Breckman, Warren. "Introduction: A Revolution in Culture," in European Romanticism: A Brief History with Documents. Ed. W. Breckman. New York: Bedford/St Martin's, 2007.[1]
  • Couto, Juliana Oliveira do (2015). Heróis a contrapelo: lampejos do gênio na escrita dos jovens Goethe e Schiller (PDF) (Dissertação). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Letras. Consultado em 1 de junho de 2023 
  • Gossman, Lionel. “Making of a Romantic Icon: The Religious Context of Friedrich Overbeck’s ‘Italia und Germania.’” American Philosophical Society, 2007. ISBN 0-87169-975-3. [2]
  • Goubet, Jean-François (2005). Aux sources de l'esthétique. les débuts de l’esthétique philosophique en allemagne. Col: Philia (em francês). Paris: Éditions de la MSH. 360 páginas. ISBN 978-2-73511-065-0 
  • Gossman, Lionel. “Orpheus Philologus: Bachofen versus Mommsen on the Study of Antiquity.” American Philosophical Society Transactions, 1983. ISBN 1-4223-7467-X.
  • Grewe, Cordula. Painting the Sacred in the Age of German Romanticism. Aldershot: Ashgate Books, 2009.[3]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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