Racismo reverso

Racismo reverso é um conceito que descreve supostos atos de discriminação e preconceito perpetrados por minorias raciais ou grupos étnicos historicamente oprimidos contra indivíduos pertencentes à maioria racial ou grupos étnicos historicamente dominantes.[1] Em outras palavras, trata-se de discriminação reversa baseada em critérios raciais. É um racismo "ao contrário", onde as minorias são racistas em relação às maiorias.[2]

O conceito de racismo reverso, no entanto, é controverso e debatido. Muitos acadêmicos e ativistas argumentam que o racismo está ligado a estruturas de poder e opressão sistêmica, o que significa que grupos minoritários historicamente marginalizados não possuem o mesmo poder institucional para perpetuar formas sistêmicas de racismo.[3][4]

Controvérsia[editar | editar código-fonte]

Nas ciências sociais, entende-se que racismo reverso não existe.[5][6] Atos de racismo de minorias contra maiorias podem até ocorrer, mas, conforme explica Silvio Almeida, é preciso lembrar que o racismo não é apenas individual, mas sobretudo institucional e estrutural, e está ancorado em um domínio político de uma maioria sobre uma minoria. Deste modo, a própria ideia de racismo reverso não faz sentido:[2]

O racismo reverso seria uma espécie de “racismo ao contrário”, ou seja, um racismo das minorias dirigido às maiorias. Há um grande equívoco nessa ideia porque membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação [racismo individual], mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, seja direta, seja indiretamente. Homens brancos não perdem vagas de emprego pelo fato de serem brancos, pessoas brancas não são “suspeitas” de atos criminosos por sua condição racial, tampouco têm sua inteligência ou sua capacidade profissional questionada devido à cor da pele.
Almeida, Silvio (10 de julho de 2019). Racismo Estrutural. [S.l.]: Pólen Produção Editorial LTDA 

Almeida lembra ainda que a própria ideia de racismo "reverso" é curiosa, pois implica que há uma forma "correta" de racismo — contra negros, judeus, etc. — e outra "anormal", "atípica", "reversa".[2] Assim, o próprio conceito já revela o caráter estrutural do racismo presente na sociedade.

Os conservadores acusam as ações afirmativas de serem um exemplo de racismo reverso oficialmente sancionado,[7] descrevendo-o como "tratamento preferencial, discriminando em favor de membros de grupos sub-representados, que foram tratados injustamente no passado, contra pessoas inocentes".[8][9][10] Em contraposição a isso, é possível afirmar, com Silvio Almeida, que existe uma discriminação positiva, que serve para corrigir desvantagens históricas, e uma discriminação negativa, que é o racismo propriamente dito.[2]

Regiões[editar | editar código-fonte]

África do Sul[editar | editar código-fonte]

O termo é constante no discurso político sul-africano pós-apartheid, particularmente em relação ao esforço governamental de equiparação demográfica do serviço público, predominantemente branco.[11] Em 1995, o então presidente Nelson Mandela acusou vice-chanceleres de universidades historicamente brancas de racismo reverso ao permitirem que estudantes negros protestassem violentamente.[12] Seu governo foi criticado por sua suposta lentidão proposital em políticas sociais, causado pelo receio de ser classificado como "racista reverso".[13]

Estados Unidos[editar | editar código-fonte]

O termo surge nos Estados Unidos no contexto do movimento dos direitos civis dos negros. Na época, era mais frequente o uso de "racismo negro", especialmente em referência a grupos como os Panteras Negras.[14] O discurso do racismo reverso torna-se mais claro após a década de 1970, especialmentente em reação às políticas de ações afirmativas.[15]

Atitudes públicas[editar | editar código-fonte]

Embora não seja empiricamente apoiada, a crença no racismo reverso é generalizada nos Estados Unidos,[16] A crença dos brancos no racismo reverso aumentou constantemente desde o luta pelos direitos civis dos negros de 1960s[17] e contribuiu para a ascensão de movimentos sociais conservadores como o Tea Party.[18]

A percepção de diminuição da discriminação anti-negra foi correlacionada com a crença dos brancos no aumento da discriminação anti-branca.[19] Pesquisadores da Tufts University e Harvard relataram em 2011 que muitos americanos brancos sentiam como se tivessem sofrido a maior discriminação entre grupos raciais, apesar dos dados em contrário.[16][20][21] Enquanto os entrevistados negros viam o racismo anti-negro como um problema contínuo, os brancos tendiam a ver esse racismo como algo do passado, a ponto de verem o preconceito contra os brancos como sendo mais prevalente.[22]

Os brancos substituíram os negros como as principais vítimas de discriminação. Essa perspectiva emergente é particularmente notável porque quase todas as estatísticas [...] métricas, continuam a indicar resultados drasticamente piores para negros do que brancos americanos.[23]

Estudos psicológicos com americanos brancos mostraram que a crença no racismo anti-branco está ligada ao apoio à hierarquia racial existente nos EUA.[19][24] bem como a ideia de meritocracia, especificamente a ideia de que o sucesso vem do "trabalho duro".[25][26] A maioria (57%) dos brancos entrevistados em uma pesquisa de 2016 do Public Religion Research Institute disse acreditar que a discriminação contra os brancos era um problema tão significativo quanto a discriminação contra os negros, enquanto apenas uma minoria de afro-americanos (29%) e hispânicos (38%) concordaram.[27][28]

O teórico crítico da raça David Theo Goldberg argumenta que a noção de racismo reverso representa uma negação da realidade histórica e contemporânea da discriminação racial,[29] enquanto a antropóloga Jane H. Hill escreve que acusações de racismo reverso tendem a negar a existência do privilégio branco e poder na sociedade.[30] Em Racism without Racists,o sociólogo Eduardo Bonilla-Silva argumenta que as percepções dos brancos sobre o racismo reverso resultam do que ele chama de nova ideologia dominante do "racismo daltônico", que trata a desigualdade racial como uma coisa do passado e, portanto, para que se permita a continuar a oposição a esforços concretos de reforma.[18]

Referências

  1. «Reverse racism - definition of reverse racism in English» (em inglês). Oxford Dictionaries 
  2. a b c d Silvio Almeida (10 de julho de 2019). Racismo Estrutural. [S.l.]: Pólen Livros. p. 47-49. ISBN 978-85-98349-91-6 
  3. Cashmore, Ellis, ed. (2004). «Reverse Racism/Discrimination». Encyclopedia of Race and Ethnic Studies. [S.l.]: Routledge. p. 373. ISBN 978-1-13-444706-0 
  4. Fish, quoted in Pincus, Fred L. (2003). Reverse Discrimination: Dismantling the Myth. [S.l.]: Lynne Rienner Publishers. pp. 68–69. ISBN 978-1-58-826203-5  Verifique o valor de |url-access=registration (ajuda)
  5. Emma Compeau (26 de agosto de 2015). «UTMSU 'reverse racism' post faces criticism». The Varsity (em inglês) 
  6. Emily Torbett (21 de agosto de 2015). «Reverse racism: Can't exist by definition, insulting to minority groups». The Daily Athenaeum (em inglês). Consultado em 26 de fevereiro de 2017 
  7. «Does affirmative action punish whites?» (em inglês). NBC News. Consultado em 26 de fevereiro de 2017 
  8. Louis P. Pojman, "The Case Against Affirmative Action", csus.edu (em inglês)
  9. «Define Reverse Racism - Reverse Discrimination - Reverse Racism Examples» (em inglês). Racerelations.about.com 
  10. Norton, Michael I.; Sommers, Samuel R. (2011). «Whites See Racism as a Zero-Sum Game That They Are Now Losing» (PDF). Perspectives on Psychological Science. 6 (3): 215–18. PMID 26168512. doi:10.1177/1745691611406922. Resumo divulgativoTuftsNow 
  11. Villiers, Susan de; Simanowitz, Stefan (Março de 2012). «South Africa: The ANC at 100». Londres. Contemporary Review (em inglês). 294 (1704). ISSN 0010-7565. Consultado em 11 de abril de 2017 
  12. Karen MacGregor (24 de março de 1995). «Mandela slams `reverse racism'». Times Higher Education. Consultado em 11 de abril de 2017 
  13. Paul Taylor (19 de março de 1995). «Black Capitalists Rare In New South Africa; Apartheid's Legacy, Cultural Ethos Cited». The Washington Post. Consultado em 11 de abril de 2017 – via ProQuest. (pede subscrição (ajuda)). So far Mandela's government has moved slowly on that front. 'I think the government is still looking over its shoulder, afraid of the tag of reverse racism', said Thami Mazwai, editor of Enterprise, a glossy monthly magazine devoted to black businesses. He noted that [earlier that year] a white ad agency and the nation's only black ad agency competed for a major government contract to publicize the public hearing process for the writing of a new constitution. Although the black agency has won several industry awards, the white agency got the contract 
  14. Lee Sustar (12 de outubro de 2012). «The fallacy of "reverse racism"» (em inglês). Socialist Worker. Consultado em 11 de abril de 2017 
  15. Ansell, Amy Elizabeth (2013). Race and Ethnicity: The Key Concepts (em inglês). Nova Iorque: Routledge. pp. 135–136. ISBN 9780415337946 
  16. a b Spanierman, Lisa; Cabrera, Nolan (2014). «The Emotions of White Racism and Antiracism». In: Watson, V.; Howard-Wagner, D.; Spanierman, L. Unveiling Whiteness in the Twenty-First Century: Global Manifestations, Transdisciplinary Interventions. [S.l.]: Lexington Books. p. 16. ISBN 978-0-73-919297-9 
  17. Newkirk, Vann R. II (5 de agosto de 2017). «How The Myth of Reverse Racism Drives the Affirmative Action Debate». The Atlantic. Consultado em 18 de março de 2018 
  18. a b Garner, Steve (2017). Racisms: An Introduction 2nd ed. London, UK: SAGE Publications. p. 185. ISBN 978-1-41-296176-9 
  19. a b Mazzocco, Philip J. (2017). The Psychology of Racial Colorblindness: A Critical Review. New York, N.Y.: Palgrave Macmillan. 85 páginas. ISBN 978-1-13-759967-4 
  20. Fletcher, Michael A. (8 de outubro de 2014). «Whites think discrimination against whites is a bigger problem than bias against blacks». The Washington Post 
  21. Ingraham, Christopher (2 de agosto de 2017). «White Trump voters think they face more discrimination than blacks. The Trump administration is listening». The Washington Post 
  22. Norton, Michael I.; Sommers, Samuel R. (2011). «Whites See Racism as a Zero-Sum Game That They Are Now Losing» (PDF). Perspectives on Psychological Science. 6 (3): 215–18. PMID 26168512. doi:10.1177/1745691611406922. Resumo divulgativoTuftsNow (23 de maio de 2011) 
  23. Norton & Sommers, quoted in Garner (2017, p. 185)
  24. Wilkins, C. L.; Kaiser, C. R. (2013). «Racial Progress as Threat to the Status Hierarchy: Implications for Perceptions of Anti-White Bias». Psychological Science. 25 (2): 439–46. PMID 24343099. doi:10.1177/0956797613508412 
  25. Cyr, Lauren (2018). «Literature Review: Interdisciplinary Findings on Diversity and Inclusion». In: Kim Gertz, S.; Huang, B.; Cyr, L. Diversity and Inclusion in Higher Education and Societal Contexts: International and Interdisciplinary Approaches. Cham: Palgrave Macmillan. p. 24. ISBN 978-3-31-970174-5 
  26. Wilkins, Clara L.; Wellman, Joseph D.; Kaiser, Cheryl R. (novembro de 2013). «Status legitimizing beliefs predict positivity toward Whites who claim anti-White bias». Journal of Experimental Social Psychology. 49 (6): 1114–19. doi:10.1016/j.jesp.2013.05.017 
  27. Massie, Victoria M. (29 de junho de 2016). «Americans are split on "reverse racism". That still doesn't mean it exists.». Vox. Consultado em 18 de setembro de 2016 
  28. Jones, Robert P.; et al. (23 de junho de 2016). How Immigration and Concerns About Cultural Changes Are Shaping the 2016 Election: Findings from the 2016 PRRI/Brookings Immigration Survey (PDF) (Relatório). Washington, D.C.: Public Religion Research Institute. p. 2 
  29. Pinder, Sherrow O. (2015). Colorblindness, Post-raciality, and Whiteness in the United States. New York: Palgrave Macmillan. ISBN 978-1-13-743488-3 
  30. Hill, Jane H. (2011). The Everyday Language of White Racism. [S.l.]: John Wiley & Sons. p. 15. ISBN 978-1-4443-5669-4 

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]