Quarta dimensão na arte

Uma ilustração de Traité élémentaire de géométrie à quatre dimensions de Jouffret. O livro, que influenciou Picasso, foi-lhe dado por Princet.

Novas possibilidades abertas pelo conceito do espaço de quatro dimensões (e as dificuldades envolvidas na tentativa de visualizá-lo) ajudaram a inspirar muitos artistas modernos, na primeira metade do século XXCubistas, surrealistas, futuristas e artistas do movimento abstrato trabalharam em cima da matemática de dimensões superiores e usaram-na para radicalizar o avanço em seus trabalhos.[1]

Influência inicial[editar | editar código-fonte]

O matemático francês Maurice Princet era conhecido como "le mathématicien du cubisme" ("o matemático do cubismo").[2] Associado na Escola de Paris, um grupo de vanguardistas incluindo Pablo Picasso, Guillaume Apollinaire, Max Jacob, Jean Metzinger, e Marcel Duchamp, Princet é creditado como tendo apresentado a obra de Henri Poincaré e o conceito de quarta dimensão aos para o cubistas no Bateau-Lavoir durante a primeira década do século XX.[3]

Princet introduziu Picasso no Traité élémentaire de géométrie à quatre dimensões (Tratado Elementar sobre a Geometria de Quatro Dimensões, 1903) de Esprit Jouffret,[4] uma popularização do Science and Hypothesis de Poincaré em que Jouffret descreve hipercubos e outros complexos poliedros em quatro dimensões e os projeta no plano bidimensional. O retrato de Daniel-Henry Kahnweiler, em 1910, de Picasso, foi um importante trabalho para o artista, que passou muitos meses moldando-o.[5] O retrato tem semelhanças com o trabalho de Jouffret e mostra uma nítida movimentação para longe do  proto-cubista fauvismo apresentado em Les Demoiselles d'Avignon para uma análise mais considerada do espaço e da forma.[6]

Um cubista vanguardista, Max Weber escreveu um artigo intitulado In The Fourth Dimension from a Plastic Point of View (Na Quarta Dimensão, a partir de um Plástico Ponto de Vista, em tradução livre) para o número de julho de 1910 do Camera Work, de Alfred Stieglitz. No artigo, Weber afirma que, "Na arte plástica, creio, há uma quarta dimensão, que pode ser descrita como a consciência de uma grande e esmagadora sensação de espaço-magnitude em todas as direções ao mesmo tempo, e é trazida à existência por meio das três medidas conhecidas".[7]

Outra influência sobre a Escola de Paris foi de Jean Metzinger e Albert Gleizes, ambos pintores e teóricos. O primeiro grande tratado escrito sobre o Cubismo foi a colaboração Du "Cubisme" entre os dois em 1912, que declara:

"Se quiséssemos relacionar o espaço dos pintores [cubistas] a geometria, deveríamos nos referir aos matemáticos não-Euclidianos; deveríamos ter que estudar, em alguma medida, alguns dos teoremas de Riemann."[8]

O pintor modernista estadunidense Morton Livingston Schamberg escreveu em 1910 duas cartas para Walter Pach,[9][10] partes das quais foram publicadas em uma revisão do Armory Show de 1913 para o The Philadelphia Inquirer[11] sobre a influência da quarta dimensão, na pintura vanguardista; descrevendo como os artistas empregavam o "uso harmônico das formas" distinguindo entre a "representação ou renderização do espaço e do desenho no espeço";[12]

Se nós ainda acrescentarmos no desenho em terceira dimensão uma consideração de peso, pressão, resistência, movimento, como distintos do movimento, chegamos ao que pode legitimamente ser chamado de design na quarta dimensão, ou o uso harmônico do que pode, arbitrariamente, ser chamado de volume. Apenas neste ponto é que podemos apreciar as produções magistrais de um homem como Cézanne.[13]

As explorações da simplificação geométrica e fenômenos ópticos de Cézanne inspirou os cubistas a experimentar com simultaneidade, complexas múltiplas visões de um mesmo objeto observadas a partir de diferentes pontos de vista ao mesmo tempo.[14]

Manifesto dimensionista[editar | editar código-fonte]

Em 1936, em Paris, Charles Tamkó Sirató publicou seu Manifeste Dimensioniste,[15] que foi descrito como

"A tendência dimensionista tem levado a:
  1. Literatura saindo da linha e adentrando o plano.
  2. Pintura saindo do plano e adentrando o espaço.
  3. Escultura saindo das formas fechadas e imóveis.
  4. A conquista artística do espaço de quatro dimensões, que até o momento estava completamente livre da arte."

O manifesto foi assinado por muitos artistas modernos proeminentes em todo o mundo. Hans Arp, Francis Picabia, Kandinsky, Robert Delaunay e Marcel Duchamp, entre outros adicionaram seus nomes em Paris, então pouco tempo depois, ele foi endossado por artistas no exterior, incluindo László Moholy-Nagy, Joan Miró, David Kakabadze, Alexander Calder, e Ben Nicholson.

Crucificação (Corpus Hypercubus)[editar | editar código-fonte]

Em 1953, o surrealista Salvador Dalí proclamou a sua intenção de pintar "uma explosiva, nuclear e hipercúbica" cena da crucificação.[16][17] Ele disse "esta imagem será o grande trabalho metafísico do meu verão".[18] Concluída no ano seguinte, Crucificação (Corpus Hypercubus) retrata Jesus Cristo sobre a superfície de um hipercubo, também conhecido como um tesseract. O desdobramento de um tesseract em oito cubos, é análogo ao desdobrar os lados de um cubo, em seis quadrados. O Metropolitan Museum of Art descreve a pintura como uma "nova interpretação de um assunto representado regularmente...[mostrando] o triunfo espiritual de Cristo sobre um ferimento corporal."[19]

Arte abstrata[editar | editar código-fonte]

Algumas das abstrações de Piet Mondrian e sua prática no neoplasticismo são ditos terem se baseado em sua visão de um universo utópico, com perpendiculares visualmente estendendo-se para outra dimensão.[20]

Outras formas de arte[editar | editar código-fonte]

A quarta dimensão tem sido alvo de inúmeras histórias ficcionais.[21]

Veja também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Henderson, Linda Dalrymple. «Overview of The Fourth Dimension And Non-Euclidean Geometry In Modern Art, Revised Edition». MIT Press. Consultado em 24 de março de 2013. Arquivado do original em 20 de março de 2013 
  2. Décimo, Marc (2007). Maurice Princet, Le Mathématicien du Cubisme (em francês). Paris: Éditions L'Echoppe. ISBN 2-84068-191-9 
  3. Miller, Arthur I. (2001). Einstein, Picasso: space, time, and beauty that causes havoc. New York: Basic Books. p. 101. ISBN 0-465-01859-9 
  4. Jouffret, Esprit (1903). Traité élémentaire de géométrie à quatre dimensions et introduction à la géométrie à n dimensions (em francês). Paris: Gauthier-Villars. OCLC 1445172. Consultado em 6 de fevereiro de 2008 
  5. Robbin, Tony (2006). Shadows of Reality: The Fourth Dimension in Relativity, Cubism, and Modern Thought. New Haven: Yale University Press. p. 28. ISBN 9780300110395 
  6. Robbin, Tony (2006). Shadows of Reality: The Fourth Dimension in Relativity, Cubism, and Modern Thought. New Haven: Yale University Press. pp. 28–30. ISBN 9780300110395 
  7. Weber, Max (1910). «In The Fourth Dimension from a Plastic Point of View». Camera Work. 31 (julho de 1910) 
  8. Gleizes, Albert; Metzinger, Jean (1912). Du "Cubisme" (Edition Figuière). Paris: [s.n.] 
  9. Letter from Schamberg in Philadelphia to Walter Pach in Paris, 29 December 1910, Pach Papers, Reel: 4216, fr. 856
  10. Letter from Schamberg in Philadelphia to Pach in Paris, 29 December 1910, fr. 857
  11. Morton Livingston Schamberg, "Post-Impression Exhibit Awaited", The Philadelphia Inquirer, 19 January 1913, col. 2, p. 3
  12. Oja, Carol J. (2000). Making Music Modern: New York in the 1920s. [S.l.]: Oxford University Press, USA. p. 84 ISBN 9780195162578
  13. Jill Anderson Kyle, Cézanne and American Painting 1900 to 1920, The University of Texas at Austin, 1995
  14. Christopher Green, Cubism, Meanings and interpretations, MoMA, Grove Art Online, Oxford University Press, 2009
  15. Sirató, Charles Tamkó (1936). «Dimensionist Manifesto» (PDF). Paris. Consultado em 24 de março de 2013 
  16. Dalí, Salvador; Gómez de la Serna, Ramón (2001) [1988]. Dali. Secaucus, NJ: Wellfleet Press. p. 41. ISBN 1555213421 
  17. «Salvador Dalí (1904–1989)». SpanishArts. 2013. Consultado em 24 de março de 2013 
  18. «Crucifixion ('Corpus Hypercubus'), 1954». Dalí gallery website. Consultado em 25 de março de 2013. Arquivado do original em 13 de junho de 2013 
  19. «Crucifixion (Corpus Hypercubus)». The Metropolitan Museum of Art. Consultado em 24 de março de 2013 
  20. Kruger, Runette (2007). «Art in the Fourth Dimension: Giving Form to Form – The Abstract Paintings of Piet Mondrian» (PDF). Spaces of Utopia: An Electronic Journal (5): 23–35. ISSN 1646-4729 
  21. Clair, Bryan (16 de setembro de 2002). «Spirits, Art, and the Fourth Dimension». Strange Horizons. Consultado em 25 de março de 2013. Arquivado do original em 1 de abril de 2012 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Leitura complementar[editar | editar código-fonte]

  • Henderson, Linda Dalrymple (2013). The Fourth Dimension And Non-Euclidean Geometry In Modern Art Revis ed. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press. ISBN 0262582449 
  • Henderson, Linda Dalrymple (1998). Duchamp in Context: Science and Technology in the Large Glass and Related Works. Princeton, N.J: Princeton University Press. ISBN 9780691123868 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]