Miristoilação

A miristoilação é um mecanismo de acilação específico à glicina da porção N-terminal de proteínas. É um processo que ocorre em diversas proteínas, de eucariotos inferiores e superiores, consistindo na ligação covalente de um miristato, um ácido graxo de 14 carbonos, à glicina da porção N-terminal. As proteínas N-miristoiladas possuem diversas funções biológicas e seus representantes mais comuns incluem serina/treonina quinases, tirosina quinases, substrato quinases, fosfoproteína fosfatases, outros tipos de proteínas envolvidas em cascatas de sinais de transdução e mediadores de transporte de proteínas e vesículas[1]. Proteínas N-miristoiladas possuem diversos destinos intracelulares e o miristoil possui um papel crítico nas mediações de interações proteína-proteína e proteína-membrana. A N-miristoilação, em geral, é uma modificação proteica irreversível que foi observada em eucariotos pela primeira vez em 1982 e antecede uma segunda mudança pós-traducional que é a remoção da metionina na posição 1[2]. Em geral, esta modificação proteica ocorre co-translacionalmente após a remoção de um resíduo inicial de metionina por metionilaminopeptidases [3][4]. Entretanto, a miristoilação também pode apresentar-se como evento pós-traducional, como no caso da proteína de organização e compactação do complexo de Golgi (do inglês Golgi Reassembly and Stacking Protein- GRASP)[5]. Tipicamente, o miristato apresenta um papel importante em mecanismos de regulação do direcionamento e função de proteínas. Algumas proteínas utilizam de "interruptor miristoil", onde a associação do miristato com a membrana é promovida por interações eletrostáticas com cadeias polipeptídicas positivamente carregadas e fosfolipídeos de carga negativa. Em outras proteínas N-miristoiladas, o ancoramento de um ligante produz uma mudança conformacional que expõe ou sequestra a cadeia acil[6].

Adição do ácido mirístico pela NMT à porção N-terminal de uma proteína em crescimento

N-miristoiltransferase (NMT)[editar | editar código-fonte]

A enzima responsável pela transferência do miristoil (do miristoil-CoA) para a glicina da região N-terminal da proteína é chamada de N-miristoiltransferase (NMT). O ciclo catalítico da NMT envolve um mecanismo sequencial de catálise onde primeiro o substrato miristoil-CoA se liga na forma apo da NMT e induz uma mudança conformacional na enzima que permite o acesso do substrato proteico. A substituição nucleofílica ocorre no ataque da amina da glicina 2 ao miristoil-CoA tioester, liberando o CoA e a proteína miristoilada[2].

Estrutura cristalina da N-miristoiltransferase humana do tipo I ligada ao miristoil-CoA. Miristoil-CoA (em vermelho). PDB ID: 3IU1

Mecanismo de ação da NMT[editar | editar código-fonte]

A adição do miristoil ocorre via reação nucleófila de adição. A miristoil coenzima A (CoA) posiciona-se no sítio de ligação da NMT, possibilitando a aproximação do carbonil à dois resíduos de aminoácidos, fenilalanina 170 e isoleucina 171[7]. Esta aproximação polariza o carbonil que agora possui uma carga total positiva, tornando possível o ataque nucleófilo por um resíduo de glicina da proteína a ser modificada. Quando ocorre a ligação da miristoil CoA, acontece uma reorientação da NMT para permitir a ligação ao peptídeo. A porção C-terminal da NMT age como uma base geral para desprotonar a amina permitindo o grupo amino a atacar o carbonil da Miristoil CoA. O CoA livre é lançado resultando em uma mudança conformacional na enzima permitindo o lançamento do peptídeo miristoilado.

Mecanismo de miristoilação pela NMT

Proteínas miristoiladas[editar | editar código-fonte]

Proteína Papel Fisiológico Função da Miristoilação
Actina Proteína de estrutura do citoesqueleto Miristoilação pós-traducional durante apoptose[8]
GRASP Proteína de organização e compactação do complexo de Golgi Miristoilação co-traducional com função de associação à membrana
Proteína G Sinalizadora de GTPases Miristoilação co-traducional com função de associação à membrana[9]
Recoverin Sensor neuronal ativado por cálcio Contém um "interruptor miristoil" ativado na presença de Ca²+[10]

Referências

  1. Martin DD, Beauchamp E, Berthiaume LG. Post-translational myristoylation: Fat matters in cellular life and death. Biochimie. 2011 Jan;93(1):18-31.
  2. a b [Wright MH, Heal WP, Mann DJ, Tate EW. Protein myristoylation in health and disease. J Chem Biol. 2010 Mar;3(1):19-35.]
  3. "Molecular Biology of the Cell" (Fourth Edition); Bruce Alberts, Alexander Johnson, Julian Lewis, Martin Raff, Keith Roberts, and Peter Walter; 2002.
  4. Berg JM, Tymoczko JL, Stryer L. Biochemistry, 5th edition. W H Freeman (New York); 2002.
  5. Barr FA, Puype M, Vandekerckhove J, Warren G. GRASP65, a protein involved in the stacking of Golgi cisternae. Cell. 1997 Oct 17;91(2):253-62.
  6. Heal WP, Wickramasinghe SR, Bowyer PW, Holder AA, Smith DF, Leatherbarrow RJ, Tate EW. Site-specific N-terminal labelling of proteins in vitro and in vivo using N-myristoyl transferase and bioorthogonal ligation chemistry. Chem Commun (Camb). 2008 Jan 28;(4):480-2.
  7. Bhatnagar, RS; Fütterer, K; Waksman, G; Gordon, JI (Nov 23, 1999). "The structure of myristoyl-CoA:protein N-myristoyltransferase". Biochimica et Biophysica Acta. 1441 (2–3): 162–72. doi:10.1016/s1388-1981(99)00155-9. PMID 10570244.
  8. Martin, Dale D.O.; Beauchamp, Erwan; Berthiaume, Luc G. (January 2011). "Post-translational myristoylation: Fat matters in cellular life and death". Biochimie. 93 (1): 18–31. doi:10.1016/j.biochi.2010.10.018. PMID 21056615
  9. Chen, Katherine A.; Manning, David R. (2001). "Regulation of G proteins by covalent modification". Oncogene. 20 (13): 1643–1652. doi:10.1038/sj.onc.1204185. PMID 11313912.
  10. Membrane Binding of Recoverin: From Mechanistic Understanding to Biological Functionality. ACS Cent. Sci.201738868-874 Publication Date:July 24, 2017 https://doi.org/10.1021/acscentsci.7b00210.