História do Reino Indo-Grego

A história do reino indo-grego abrange um período que vai do século II a.C. até o início do I d.C., no norte e no noroeste da Índia. Existiram mais de 30 reis indo-gregos, geralmente em competição por diferentes territórios. Muitos deles são conhecidos somente por suas moedas.

Muitas das datas, territórios e relações entre os reis indo-gregos são baseadas em análise numismática, algumas escrituras clássicas, escrituras indianas e evidência epigráfica. A lista seguinte de reis, datas e territórios após o reinado de Demétrio foi derivada da mais recente e extensiva análise sobre o assunto, por Osmund Bopearachchi e R. C. Senior.

A invasão do norte da Índia e o estabelecimento do que seria conhecido como o "reino indo-grego" iniciou-se por volta de 200 a.C. quando Demétrio I, filho do rei greco-bactriano Eutidemo I, liderou suas tropas pelo Indocuche. Apolodoto pode ter avançado para o sul, enquanto Menandro posteriormente liderou invasões para o leste. Após suas conquistas, Demétrio recebeu o título ανικητος ("Aniceto", que significa invencível), nunca dado antes para um rei.[1]

Reinos indo-gregos em 100 a.C.
O fundador do reino indo-grego, Demétrio I, "o Invencível" (205−171 a.C.), vestindo o escalpo de um elefante, símbolo das suas conquistas na Índia

Evidência escrita das invasões gregas iniciais sobrevive nas escrituras de Estrabão e Justino, e nos registros em sânscrito de Patanjali, Calidaça e no Iuga Purana, entre outros. Moedas e evidências arquitetônicas também registram a campanha grega inicial.

Evidência da invasão inicial[editar | editar código-fonte]

Fontes greco-romanas[editar | editar código-fonte]

Os greco-bactrianos atravessaram o Indocuche e também começaram a reocupar a área de Aracósia, onde as populações gregas já viviam antes da aquisição do território de Seleuco por Chandragupta. Isidoro de Charax descreve cidades gregas dali, uma delas denominada Demétrias, provavelmente em honra do conquistador Demétrio.[2]

De acordo com Estrabão, os avanços gregos foram temporariamente até a capital Sunga Pataliputra (hoje Patna) no leste da Índia.

A visão do mundo helenístico logo após as conquistas indo-gregas. A Índia aparece plenamente formada, com o Ganges e Palibotra (Pataliputra) ao leste. (reconstrução do século XIX do mapa-múndi antigo de Eratóstenes (276−194 a.C.).[3])

O historiador grego Apolodoro, citado por Estrabão, afirma que os gregos bactrianos, liderados por Demétrio I e Menandro, conquistaram a Índia e ocuparam um território maior que o ocupado pelos gregos sob domínio de Alexandre, o Grande, indo além do rio Beás, em direção ao Himalaia: [4]

"Os gregos tornaram-se mestres da Índia e mais tribos foram subjugadas por eles que por Alexandre — por Menandro em particular, pois algumas eram subjugadas por ele pessoalmente, e outras por Demétrio, filho de Eutidemo, o rei dos bactrianos."
— Apolodoro, citado em Estrabão 11.11.1[5]

O historiador romano Justino também mencionou o reino indo-grego, decrevendo um "Demétrio, Rei dos Indianos" ("Regis Indorum") e explicando que, após vencê-lo, Eucrátides, por sua vez, "pôs a Índia sob seu domínio"[6] (desde o tempo das embaixadas de Megástenes no século III a.C., "Índia" era compreendida como o subcontinente inteiro, e foi cartografada por Eratóstenes). Justino também menciona Apolodoto e Menandro como reis dos indianos.[7]

Fontes gregas e indianas tendem a indicar que os gregos realizaram campanha até Pataliputra, até serem forçados a se retirarem. Esse avanço provavelmente ocorreu sob o reinado de Menandro, o mais importante rei indo-grego,[8] e foi provavelmente apenas um avanço militar de natureza temporária, talvez em aliança com estados indianos nativos. Os domínios indo-gregos permanentes se estenderam apenas do vale do Cabul até o leste do Punjabe, ou pouco mais a leste.

Uma paleta de pedra indo-grega mostrando Posidão com criados. Ele veste uma túnica quíton, uma capa clâmide e botas. séculos II-I a.C., Gandara, Ancient Orient Museum

Ao sul, os gregos ocuparam as áreas de Sinde e Guzerate, até a região de Surrate (grego: Saraosto), próxima a Bombaim, incluindo o porto estratégico de Barigaza (Bharuch),[9] como afirmam vários escritores (Estrabão 11; Périplo do Mar da Eritreia, Cap. 41/47) e como evidenciam moedas que datam do governante indo-grego Apolodoto I:

"Os gregos... tomaram posse, não somente de Patalena, mas também, no resto da costa, do que é chamado de reino de Saraosto e Sigerdis."
— Estrabão 11.11.1[10]

O Périplo do Mar da Eritreia, do século I, descreve numerosas construções e fortificações gregas em Barigaza, embora as atribua erroneamente a Alexandre, e documenta a circulação de moedas indo-gregas na região:

"A metrópole deste país é Minagara, de onde muito tecido de algodão é levado até Barigaza. Nesses lugares restam, inclusive até o tempo atual, sinais da expedição de Alexandre, tais como santuários antigos, muros de fortes e grandes poços."
— Périplo, Cap. 41
"No dia presente, dracmas antigos são moeda corrente em Barigaza, vindos deste país, levando em si inscrições em letras gregas, e os dispositivos daqueles que reinaram após Alexandre, Apolodoro (sic) e Menandro."
— Périplo Cap. 47[11]

De autores antigos (Plínio, Arriano, Ptolomeu e Estrabão), pode-se discernir uma lista de províncias, satrapias ou simples designações regionais e cidades gregas de dentro do reino indo-grego (embora outras tenham se perdido), indo da bacia do Indo até o vale superior do Ganges.[12]

Fontes indianas[editar | editar código-fonte]

Vários registros indianos descrevem ataques Iavana a Matura, Panchala, Saketa e Pataliputra. Pensa-se que o termo Iavana seja uma transliteração de "jônios", e sabe-se que designava gregos helenísticos (começando com os Éditos de Açoca, onde Açoca escreve sobre "o rei Iavana Antíoco"), mas também pode ter se referido, algumas vezes, a outros estrangeiros, especialmente em séculos posteriores.

Patânjali, um gramático e comentador de Panini por volta de 150 a.C., descreve, no Mahābhāṣya,[13] a invasão, em dois exemplos que usam o tempo imperfeito do sânscrito denotando um evento recente:

  • "Arunad Yavanah Sāketam" ("Os Iavanas (gregos) sitiavam Saketa")
  • "Arunad Yavano Madhyamikām" ("Os Iavanas sitiavam Madiamica" (o "País médio")).

O Anushasanaparava do Maabárata afirma que o país Matura, a área central da Índia, estava sob o controle conjunto dos Iavanas e dos cambojas.[14] O Vayupurana afirma que Matura foi governado por sete reis gregos ao longo de um período de 82 anos.[15]

Referências

  1. O título "Aniceto" dado a Demétrio é visível nas moedas cunhadas por Agátocles.
  2. No século I a.C., o geógrafo Isidoro de Charax menciona a dominação dos partas sobre populações e cidades gregas em Aracósia: "Parthians stations", século I a.C. Mencionado em Bopearachchi, "Monnaies Greco-Bactriennes et Indo-Grecques", p. 52. Texto original no parágrafo 19 de Parthian stations.
  3. Fonte
  4. Estrabão citando Apolodoro acerca da extensão das conquistas gregas:
    • "Apolodoro, por exemplo, autor da História Parta, quando menciona os gregos que ocasionaram a revolta de Báctria contra os reis sírios, que eram os sucessores de Seleuco Nicátor, diz que, quando eles se tornaram poderosos, invadiram a Índia. Ele não acrescenta descobertas ao que já era anteriormente conhecido, e inclusive estabelece, em contradição com outros, que os bactrianos haviam submetido ao seu domínio uma porção maior da Índia que os macedônios; pois Eucrátides (um desses reis) tinha mil cidades sujeitas à sua autoridade." Estrabão 15-1-3 Texto completo em inglês
    • "Os gregos que fizeram que a Báctria se revoltasse tornaram-se tão poderosos a bem da fertilidade do país que tornaram-se mestres, não só de Ariana, mas também da Índia, como Apolodoro de Artêmita diz: e mais tribos foram subjugadas por eles que por Alexandre — por Menandro em particular (...), pois algumas foram subjugadas por ele pessoalmente e outras por Demétrio, filho de Eutidemo, rei dos bactrianos." Estrabão 11.11.1 Texto completo em inglês
  5. Traduzido do inglês: Strabo 11.11.1
  6. Justino acerca de Demétrio, "Rei dos Indianos": "Multa tamen Eucratides bella magna uirtute gessit, quibus adtritus cum obsidionem Demetrii, regis Indorum, pateretur, cum CCC militibus LX milia hostium adsiduis eruptionibus uicit. Quinto itaque mense liberatus Indiam in potestatem redegit." ("Eucrátides liderou muitas guerras com grande coragem, e, enquanto enfraquecido por elas, foi colocado sob cerco por Demétrio, rei dos indianos. Ele realizou várias surtidas, e conseguiu vencer 60.000 inimigos com 300 soldados, e, assim, liberado após quatro meses, ele pôs a Índia sob seu domínio") Justino XLI,6
  7. "Indicae quoque res additae, gestae per Apollodotum et Menandrum, reges eorum": "Também incluídas estão as proezas, na Índia, por Apolodoto e Menandro, seus reis" Justino, citado em E.Seldeslachts, p. 284
  8. A.K. Narain e Keay, 2000
  9. "Menandro tornou-se o governante de um reino que se estendia ao longo da costa da Índia ocidental, incluindo toda a região de Saurastra e o porto de Barukaccha. Seu território também incluía Matura, o Panjabe, Gandara e o Vale do Cabul", Bussagli p. 101
  10. Estrabão, sobre a extensão das conquistas dos greco-bactrianos/indo-gregos: "Eles tomaram posse, não só de Patalena, mas também, no resto da costa, do que é chamado de reino de Saraosto e Sigerdis. Em suma, Apolodoro diz que Báctria é o ornamento de Ariana como um todo; e, mais do que isso, eles estenderam seu império inclusive até os Seres (chineses) e os frinos." Estrabão 11.11.1, traduzido do inglês: (Estrabão 11.11.1)
  11. Periplus
  12. Províncias gregas na Índia, de acordo com fontes clássicas:
    • Patalena - toda a região do delta do Indo, com uma capital aparente em "Demétrias-em-Patalena;" presumivelmente fundada por Demétrio (Ptolomeu, Geografia, VII 1, 55/ Estrabão 11.11.1)
    • Abíria - Norte do delta do Indo e aparentemente nomeado em homenagem aos povos Abira, presumíveis habitantes da região. (Ptolomeu, Geografia, VII 1, 55).
    • Prasiane - Norte de Abíria e Leste do canal principal do Indo. (Plínio, História natural, VI 71)
    • Surastrene - Sudeste de Patalena, compreendendo a península de Kathiawar e partes de Guzerate até Bharuch (Saurashtra e Surrate modernos), com a cidade de "Teófila". (Ptolomeu, Geografia, VII 1, 55/ Estrabão 11.11.1/ Pépiplo, Cap.41–47).
    • Sigerdis - uma região costal além de Patalena e Surastrene, que se acredita corresponder a Sinde. (Estrabão 11.11.1)
    • Souastene - subdivisão de Gandara, compreendendo o vale do Suate (Ptolomeu, Geografia, VII 1, 42).
    • Goryaea - distrito menor localizado entre o baixo rio Suate e o Kunar (Bajaur), com a cidade de "Nagara, também chamada de Dionisópolis". (Ptolomeu, Geografia, VII 1, 42).
    • Peucelaitas - denota o distrito imediato por volta de Pushkalavati (Grego: Peucela). (Arriano, Sobre a Índia, IV 11)
    • Kaspeiria - compreende os altos vales de Chenab, Ravi, e Jhelum (ou seja, no sul da Caxemira). (Ptolomeu, Geografia, VII 1, 42).
    • Pandouorum - Região do Punjabe ao longo do rio Hídaspes, com a "cidade de Sagala, também chamada de Eutidêmia" e outra cidade chamada de "Bucéfala" (Ptolomeu, Geografia, VII 1), ou "Bucéfalo Alexandria" (Périplo, 47).
    • Kulindrene - segundo o relato de Ptolomeu, região que compreende os altos vales do Sutlej, Jumna, Beas e Ganges. Esse relato pode ser impreciso, e o conteúdo da região, de certa forma, menor. (Ptolomeu, Geografia, VII 1, 42).
  13. "Indo-Greek, Indo-Scythian and Indo-Parthian coins in the Smithsonian institution", Bopearachchi, p. 16.
  14. "tatha Yavana Kamboja Mathuram.abhitash cha ye./ ete ashava.yuddha.kushaladasinatyasi charminah."//5 — (MBH 12/105/5, Kumbhakonam Ed)
  15. "Asui dve ca varsani bhoktaro Yavana mahim/ Mathuram ca purim ramyam Yauna bhoksyanti sapta vai" Vayupurana 99.362 e 383, citado por Morton Smith 1973: 370. Morton Smith acredita que a ocupação tenha durado de 175 a 93 a.C..

Fontes[editar | editar código-fonte]

  • Bopearachchi, Osmund (1991). Monnaies Gréco-Bactriennes et Indo-Grecques, Catalogue Raisonné (em French). [S.l.]: Bibliothèque Nationale de France. ISBN 2-7177-1825-7 
  • Bopearachchi, Osmund (1998). SNG 9. New York: American Numismatic Society. ISBN 0-89722-273-3 
  • Senior, R.C., New Indo Greek Coins, Journal of the Oriental Numismatic Society 186
  • Senior, R.C. and MacDonald, D., The decline of the Indo-Greeks, Monographs of the Hellenic Numismatic Society, Athens, 1998
  • Senior, R.C., Indo-Greek – The Indo-Greek and Indo-Scythian King Sequences in the Second and First Centuries BC, 2004, Supplement to Oriental Numismatic Society Newsletter, no. 179