Festa da Federação

Festa da Federação, em 14 de julho de 1790 no Campo de Marte. (Museu da Revolução Francesa).

A Festa da Federação Nacional (em francês: Fête de la Fédération) foi uma celebração comemorativa do primeiro aniversário da tomada da Bastilha,[1] acontecimento considerado como o ponto de início da Revolução Francesa. Celebrou-se, portanto, em 14 de julho de 1790 no Campo de Marte, em Paris.[1]

Tinha, segundo Mirabeau no seu livro Trabalho sobre educação pública, o fim educacional de mudar os costumes e incutir no povo valores civis.[2]

Para Georges Politzer a Federação foi um marco que celebrou a nação francesa como o resultado da mistura de diversos povos ou elementos étnicos que a formavam (bretões, bascos, normandos, provençais e outros), em contraposição ao elemento feudal do "sangue", cujos privilégios mantinham-se pela hereditariedade. A festa, portanto, veio celebrar essa fusão de povos, e sua vitória contra o "princípio racial".[3] Isto contrasta com a visão de Tocqueville, para quem a festa nada mais foi que a celebração de uma pseudo-unanimidade, uma hipocrisia coletiva, em que partidos diversos que se matavam celebravam algo cujo resultado de discórdias seria visto a seguir.[4]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

O evento encontra suas raízes nas ideias de Jean-Jacques Rousseau, na sua obra "Considerações sobre o Governo da Polônia", em que este defende as festas cívicas onde "a boa mãe pátria se compraz em ver brincar seus filhos… (e) todo o povo toma parte igualmente."[5]

Imitando as federações regionais de guardas nacionais que tinham começado a celebrar a sua festa no Midi desde agosto de 1789 e que se estendiam por toda a França, o Marquês de La Fayette, que era o comandante da Guarda Nacional de Paris, decidiu organizar, para comemorar o primeiro aniversario da tomada da Bastilha, uma festa nacional da Federação, a celebrar em Paris.

Em 1790 a Assembleia Nacional Francesa decidiu que esta primeira comemoração fosse a festa da reconciliação e unidade de todos os franceses.

Com o objetivo de afirmar a unidade do país, e o desejo de se evitar uma contra-revolução, os reis contudo abominavam tal festejo; a ele foram representantes dos municípios e da Guarda Nacional.[1]

A Festa[editar | editar código-fonte]

Milhares de franceses comemoram na Festa da Federação.

Desde a madrugada do dia 14 de julho a população passou a chegar no Campo de Marte, onde armara-se gigantesco anfiteatro para acomodar mais de 400 mil pessoas; a um canto, uma tenda cobria a fachada da Escola Militar e diante dela fora armada uma tenda, sob a qual uma plataforma abrigava os reis — Luís XVI e Maria Antonieta.[1]

Do lado oposto à tenda real, quatro antigos vasos serviam à queima de incenso e, ao longo do perímetro estavam fincadas 83 lanças com as bandeiras dos departamentos; diante do cais do Sena fora erguido um arco do triunfo.[1]

O evento, com duração de vários dias, exibiria uma missa diante do Altar da Pátria erguido no centro do anfiteatro e co-celebrada por 300 sacerdotes, o juramento da Constituição, peças de teatro encenadas na Catedral de Nossa Senhora, uma grande procissão e vários bailes em praça pública.[5]

Cerimônia de abertura[editar | editar código-fonte]

Às oito horas, sob chuva, a família real chegou numa carruagem, sendo aclamada pelo povo; tiros foram disparados em saudação, e os músicos entoaram seus instrumentos. Em seguida o então bispo Talleyrand celebrou a missa e o rei prestou juramento à Constituição; Maria Antonieta então, em meio aos aplausos e ovação popular, ergueu o Delfim, ao que a multidão respondeu com "vivas" à rainha e ao seu filho.[1]

Apesar de constrangidos a participarem do evento, os reis tinham enorme desprezo por tal "orgia da federação". Após esta cerimônia retiraram-se discretamente para o Castelo de Saint-Cloud.[1]

Dias seguintes[editar | editar código-fonte]

No dia seguinte à festa tencionavam os moderados conduzir o rei até Compiègne, ao que Luís XVI aquiescia mas, como os monarquistas Feuillants tinham o objetivo de diminuir o absolutismo real, Maria Antonieta se opôs e o rei acabou cedendo à pressão da rainha.[6]

Consequências[editar | editar código-fonte]

A Festa provocou um breve apaziguamento entre as diversas correntes políticas que então havia (monarquistas radicais, moderados, republicanos, etc.) e que logo viriam a se agitar nos clubes que se formaram (jacobinos, feuillants, cordeliers) durante a Assembleia Constituinte (1789-1792), e que eclodiram com violência após a fuga frustrada dos reis, em 20 de julho de 1791.[7]

O tipo de festejo estabelecido pela Federação aboliu a forma tradicional das comemorações praticadas até então, no Ancien Régime — que tinham caráter duradouro, municipal, voltada às profissões; com ela passou-se a ter uma só comemoração ao ano, e estabeleceu-se a primazia do oficial sobre o popular, e esta passou a ser o modelo para as demais festas.[8]

Este modelo de festa cívica foi seguido durante todos os eventos comemorativos efetuados durante o período revolucionário, tais como nas comemorações ao Ser Supremo ou no traslado dos restos mortais de Voltaire.[5]

Os eventos tiveram por testemunha José Bonifácio de Andrada e Silva, considerado o Pai da Pátria brasileira, que se encontrava em Paris durante esses eventos, em função de seus estudos como bolsista do governo português; entretanto, este não deixou registrado suas impressões sobre o momento histórico.[9]

Referências

  1. a b c d e f g Evelyne Lever (2004). Maria Antonieta: a última rainha da França. [S.l.]: Objetiva. p. 170-171. ISBN 8573025778 
  2. Franco Cambi (1999). História da pedagogia. [S.l.]: UNESP. p. 368. ISBN 8571392609 
  3. Guy Besse e Maurice Caveing (2002). Politzer - Princípios fundamentais de filosofia. [S.l.]: Hemus. p. 395. ISBN 8528900622 
  4. Raphaël Drai in: Denis Lerrer Rosenfield, Jean-François Mattéi (2002). O Terror. [S.l.]: Jorge Zahar Editor Ltda. p. 53-54. ISBN 857110672X 
  5. a b c Franklin de Matos (2001). O filóso e o comediante: ensaios sobre literatura e filosofia na ilustração. [S.l.]: UFMG. p. 178 
  6. Munro Price. A Queda da Monarquia Francesa. [S.l.]: Record. p. 310. ISBN 8501067768 
  7. Antonio Baptista Gonçalves (2008). Quando os avanços parecem retrocessos. [S.l.]: Manole Ltda. p. 23. ISBN 859841641X 
  8. Roger Chartier (2004). Leituras e Leitores na França do Antigo Regime. [S.l.]: UNESP. p. 41. ISBN 8571395373 
  9. Berenice Cavalcante (2001). José Bonifácio - razão e sensibilidade. [S.l.]: FGV. p. 47. ISBN 8522503508