Exoterismo

 Nota: Não confundir com Esoterismo.

Exoterismo se refere ao conhecimento que está fora e independente da experiência de uma pessoa e pode ser verificado por qualquer pessoa (relacionado ao bom senso). Existe em oposição ao termo "esotérico", oculto, aquilo que é entendido somente pelos iniciados.[1]

A palavra exotérico é derivada da forma comparativa do grego "ἔξω" (eksô, "de, de, de fora"). Significa tudo o que é público, sem limites ou universal. É distinto do conhecimento esotérico interno. "Exotérico" se relaciona com a realidade externa em oposição aos pensamentos ou sentimentos de uma pessoa. É o conhecimento público e não secreto ou cabalístico. Não é necessário que o conhecimento exotérico venha fácil ou automaticamente, mas deve ser referenciável ou reproduzível.[1]

Contexto filosófico[editar | editar código-fonte]

No contexto da filosofia da Grécia Antiga, os termos "esotérico" e "exotérico" são utilizados por acadêmicos contemporâneos não para denotar que havia segredo, mas para distinguir dois procedimentos de pesquisa e educação: o primeiro reservado aos ensinos que eram desenvolvidos "dentro das paredes" da escola filosófica, dentre um círculo de pensadores ("eso-" indicando recôndito, como nas aulas internas à instituição), em oposição daqueles que eram divulgados ao público em discursos e obras publicadas ("exo-": fora). É implícito o significado inicial desta última palavra quando Aristóteles cunhou o termo "falas exotéricas" (ἐξωτερικοὶ λόγοι) talvez para se referir àquelas que ele realizou fora de sua escola.[2] Apesar disso, ele nunca empregou o termo "esotérico" e não há evidências de que fez tratados especializados secretos; há um relato duvidoso por Aulo Gélio, segundo o qual Aristóteles divulgava de tarde os assuntos exotéricos de política, retórica e ética ao público em geral, enquanto reservava a parte da manhã em caminhada com seus discípulos do Liceu para os ensinos do tipo "akroatika" (acroamáticos), referentes a filosofia natural e lógica.[3][4] Além do mais, o termo "exotérico" para Aristóteles poderia ter outro sentido, hipoteticamente referindo-se também a um conteúdo concernente a uma realidade extracósmica, ta exo, superior e além do Céu, exigindo abstração e lógica, em contraste com o que chamou de enkyklioi logoi, conhecimentos "de dentro do círculo", envolvendo a physis intracósmica que circunda o cotidiano.[5] Há um relato por Estrabão e Plutarco, porém, que afirma que textos escolares do Liceu tinham veiculação interna e sua publicação era mais controlada, em contraste com os exotéricos, e que esses textos "esotéricos" teriam sido redescobertos e compilados apenas com Andrônico de Rodes.[6][7]Platão teria transmitido oralmente ensinos intramurais a seus discípulos, cujo suposto conteúdo "esotérico" sobre os Primeiros Princípios é particularmente realçado pela Escola de Tübingen como distinto dos ensinos escritos aparentes e veiculados em livros ou palestras públicas.[2][8] Mesmo Hegel posteriormente teria comentado sobre a análise dessa distinção na hermenêutica moderna de Platão e Aristóteles:[9]

"Para expressar um objeto externo não é necessário muito, mas para comunicar uma ideia uma capacidade deve estar presente, e isso sempre permanece algo esotérico, de modo que nunca houve nada puramente exotérico sobre o que os filósofos dizem".

Provavelmente a partir da dicotomia "exôtikos/esôtikos", o mundo helenístico desenvolveu a distinção clássica entre exotérico/esotérico, estimulada pelo criticismo das diversas correntes como pela Patrística.[10] Conforme exemplos do par conceitual em Luciano, Galeno e Clemente de Alexandria, naquela época era considerada uma prática comum entre os filósofos guardarem-se escritos e ensinos secretos, e um paralelo de sigilo e elite reservada também se encontrava no ambiente contemporâneo do gnosticismo.[11] Depois, Jâmblico já apresentaria seu sentido próximo ao do moderno, pois distinguia os pitagóricos antigos entre os matemáticos "exotéricos" e acusmáticos "esotéricos", estes últimos que proferiam ensinamentos enigmáticos e sentidos alegóricos ocultos.[2]

Contexto religioso[editar | editar código-fonte]

Da mesma forma que o termo "esotérico" é frequentemente associado à espiritualidade esotérica, o termo "exotérico" é usado principalmente em discussões sobre religião e espiritualidade, como quando os ensinamentos mudam o foco do crente de uma exploração do eu interior para uma adesão a regras, leis e um Deus individual. O termo "exotérico" também pode refletir a noção de uma identidade divina que está fora e diferente da identidade humana, enquanto a noção esotérica afirma que o divino deve ser descoberto dentro da identidade humana. Indo um passo adiante, a noção panteísta sugere que o mundo divino e o mundo material são um e o mesmo. A interpretação ismaelita do islamismo xiita opera na estrutura de uma coexistência entre a forma exotérica (zahir) e a essência esotérica (batin). Sem o esotérico, o exotérico é como uma miragem ou ilusão sem lugar na realidade.[12]

Governo[editar | editar código-fonte]

A forma exotérica de governo é aquela em que todas as ações tomadas pelo governo devem ser divulgadas publicamente e ratificadas pelo público. Isso costuma ser chamado de transparência da governança.[13]

Sociedades[editar | editar código-fonte]

Muitas sociedades são divididas em 2 seções - a exotérica ou "face pública" e a esotérica ou "à porta fechada". Essas são muitas organizações fraternas, como a Maçonaria, que em algum nível são acessíveis aos não iniciados, mas que têm níveis cada vez mais altos de iniciação conforme a pessoa progride.[14]

Referências

  1. a b «Exoteric vs. Esoteric: What's the Difference?». Main Difference (em inglês). 8 de julho de 2021. Consultado em 30 de setembro de 2021 
  2. a b c Nikulin, Dmitri (11 de dezembro de 2012). The Other Plato: The Tübingen Interpretation of Plato's Inner-Academic Teachings (em inglês). [S.l.]: SUNY Press 
  3. Aristóteles (15 de fevereiro de 2010). The Politics (em inglês). [S.l.]: University of Chicago Press 
  4. Facca, Danilo (14 de maio de 2020). Early Modern Aristotelianism and the Making of Philosophical Disciplines: Metaphysics, Ethics and Politics (em inglês). [S.l.]: Bloomsbury Publishing 
  5. Bos, A. P. (1989). «Exoterikoi Logoi and Enkyklioi Logoi in the Corpus Aristotelicum and the Origin of the Idea of the Enkyklios Paideia». Journal of the History of Ideas (2): 179–198. ISSN 0022-5037. doi:10.2307/2709731. Consultado em 3 de julho de 2023 
  6. Montana, Fausto (15 de junho de 2020). «Hellenistic Scholarship». In: Montanari, Franco. History of Ancient Greek Scholarship: From the Beginnings to the End of the Byzantine Age (em inglês). [S.l.]: BRILL 
  7. Nielsen, Karen Margrethe (13 de dezembro de 2012). «The Nicomachean Ethics in Hellenistic philosophy: A hidden treasure?». In: Miller, Jon. The Reception of Aristotle's Ethics (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press 
  8. Gaiser, Konrad (1980). «Plato's Enigmatic Lecture 'On the Good'». Phronesis (1): 5–37. ISSN 0031-8868. Consultado em 21 de abril de 2021 
  9. Reale, Giovanni. History of Ancient Philosophy II, A: Plato and Aristotle (em inglês). [S.l.]: SUNY Press 
  10. Trompf, Garry W. (19 de setembro de 2008). «From the Esoteric to the Exoteric and Back Again: Themes from Antiquity to Post-Modernity». Sydney Studies in Religion (em inglês). 5: 36, nota 2. ISSN 1444-5158. Consultado em 21 de abril de 2021. In Crangle, Edward (2004). Esotericism and the Control of Knowledge.
  11. Markschies, Christoph (29 de junho de 2020). «Esoteric Knowledge in Platonism and in Christian Gnosis». Christian Teachers in Second-Century Rome: Schools and Students in the Ancient City (em inglês). [S.l.]: BRILL 
  12. Virani, Shafique N. (2010). "The Right Path: A Post-Mongol Persian Ismaili Treatise". Iranian Studies. 43 (2): 197–221. doi:10.1080/00210860903541988. ISSN 0021-0862.
  13. Mark, Fenster. «The Opacity of Transparency». Consultado em 30 de setembro de 2021 
  14. «Exoteric/Esoteric». Brill’s New Pauly. Consultado em 30 de setembro de 2021 

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Wouter J. Hanegraaff (editor), Dictionary of Gnosis and Western Esotericism, Leida / Boston: Brill, 2005, 2 v., 1228 p.
  • Pierre A. Riffard, Dicionário do esoterismo (1983), Lisboa: Editorial Teorema, 1994, 405 p.