Convenção de Belém do Pará

Convenção de Belém do Pará
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
Convenção de Belém do Pará
Propósito proteção de direitos da mulher
erradicação da violência contra a mulher
Local de assinatura Belém do Pará, Brasil
Assinado 9 de junho de 1994
Em vigor 3 de fevereiro de 1995
Publicação
Website http://oas.org/en/mesecvi/convention.asp

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, é um instrumento internacional de direitos humanos adotado pela Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) da Organização dos Estados Americanos em uma conferência realizada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994. É o primeiro tratado internacional legalmente vinculante que criminaliza todas as formas de violência contra a mulher, em especial a violência sexual.[1]

Histórico[editar | editar código-fonte]

No final dos anos 80, o uso do estupro como arma de guerra pelos regimes oficiais em El Salvador, Haiti, Peru e outros lugares da América Latina foi exposto, enquanto o tabu tradicional no tratamento da violência doméstica se desfazia, colocando a violência contra mulheres nos holofotes do discurso público.[2] Conforme a maioria das ditaduras militares caia na América Latina durante a Terceira Onda de Democratização (1978-1995), as mulheres começaram a pressionar seus governos civis para combater a violência sistêmica contra as mulheres, do Brasil ao Chile e ao México.

Em 1988, a estratégia da CIM seguiu seu modelo de criação de normas internacionais para pressionar por mudanças governamentais a nível nacional. Para isso, as mulheres redigiram uma Convenção Interamericana sobre violência contra as mulheres, e realizaram uma reunião consultiva especial em 1990. A Consulta Interamericana sobre a Mulher e a Violência de 1990 foi a primeira reunião diplomática desse tipo.[2][3] Na convenção, as mulheres avaliaram a fundo a questão da violência de gênero[1] e, em seguida, organizaram duas reuniões intergovernamentais de especialistas para ajudar no esclarecimento de questões para elaborar uma proposta. O instrumento final,[4] que viria a ser conhecido como Convenção de Belém do Pará de 1994, foi o primeiro tratado a abordar a violência contra as mulheres. Foi apresentado em uma Assembléia Especial Extraordinária dos delegados da CIM em abril de 1994, que o aprovou e endossou sua submissão à Assembléia Geral da OEA. Foi adotado em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994 e foi endossado por 32 dos 34 Estados membros da OEA.

Os delegados da CIM continuaram a pressionar por acordos internacionais nas Américas na visando a proteção das mulheres. Em 1998, foi adotada a Declaração de Santo Domingo, que reconheceu que os direitos inalienáveis das mulheres existem ao longo da vida e são uma "parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais".[5]

Conteúdo[editar | editar código-fonte]

Texto da Convenção de Belém do Pará (clicável, 9 páginas)

O tratado é escrito nos quatro idiomas oficiais da Organização dos Estados Americanos, sendo declarado no artigo 25 que os quatro textos são igualmente autênticos.

  • Inglês : Inter-American Convention on the Prevention, Punishment, and Eradication of Violence against Women (Belém do Pará Convention)
  • Espanhol : Convención Interamericana para Prevenir, Sancionar y Erradicar la Violencia contra la Mujer (Convención de Belém do Pará)
  • Português : Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará)
  • Francês : Convention Interamericaine pour la Prevention, la Sanction et l'Elimination de la Violence contre la Femme (Convention de Belém do Pará)

O texto define o que é a violência contra a mulher, estabelece que as mulheres têm o direito de viver uma vida livre de violência e que a violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. É o primeiro a demandar a criação de mecanismos estatais para a proteção e defesa dos direitos da mulher, essenciais para combater o fenômeno da violência contra a integridade física, sexual e psicológica da mulher, seja na esfera pública ou privada, e para reafirmar esses direitos dentro da sociedade.[6]

Estados Partes[editar | editar código-fonte]

Até março de 2020, 32 dos 35 estados membros da OAS ratificaram ou aceitaram o documento, as exceções sendo Cuba, Estados Unidos e Canadá.[7]

Mecanismo de Seguimento (MESECVI)[editar | editar código-fonte]

Para monitorar o cumprimento por parte dos Estados Partes com as obrigações da convenção, foi criada em 2004 uma agência chamada Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará, abreviado como MESECVI. O MESECVI é composto por duas entidades: a Conferência dos Estados Partes e o Comitê de Peritas.[1]

  • A Conferência dos Estados Partes é o órgão político político do mecanismo, que estuda os relatórios de países apresentados por cada Estado Parte e supervisiona o Comitê de Peritas.[8]
  • O Comitê de Peritas é um órgão técnico que apresenta recomendações e diretrizes para a Conferência dos Estados Partes. É composto por especialistas designadas pelos Estados Partes entre nacionais e é regido por regulamento próprio.[8]

Impacto[editar | editar código-fonte]

Políticos e cidadãos sobre a importância das Convenções de Belém do Pará e Istambul (2015)

Segundo as professoras Rashida Manjoo e Jackie Jones (2018), a Convenção de Belém do Pará contribuiu significativamente para fazer do sistema interamericano de Direitos Humanos, "embora longe de ser perfeito, talvez o sistema de direitos humanos mais avançado e eficaz do mundo no contexto da violência contra a mulher". A Convenção foi citada em mais de 20 casos perante a Corte e a Comissão Interamericana e "ajudou a melhor definir e a dar maior especificidade às normas da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos interamericanos de direitos humanos no contexto da violência contra a mulher".[9] :p.163–4

Por exemplo, a Convenção de Belém do Pará foi usada juntamente com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos interveio no caso dos feminicídios do campo do algodão (em espanhol: feminicidas del campo algodonero), a pedido de familiares das vítimas que, motivados pela falta de resposta das autoridades mexicanas, registraram uma queixa na Corte contra o estado mexicano. Em seu julgamento em 2009, a Corte considerou o México responsável por múltiplas violações de direitos, incluindo as obrigações do Estado sob a Convenção de Belém do Pará de 'usar a devida diligência para responder à violência contra as mulheres', de acordo com o artigo 7, parágrafos b e c.[9]:p.160 A partir deste veredito, o México passou a tomar algumas medidas positivas para cumprir a ordem do Tribunal. :p.160 No entanto, o caso revelou que a justiciabilidade da Convenção se limitava principalmente ao artigo 7, que estipula as obrigações imediatas dos Estados Partes; os artigos 8 e 9 são úteis essencialmente para interpretar essas obrigações e as obrigações dos Estados Partes em outras convenções, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. :p.160

Além disso, Manjoo e Jones criticaram o fato de os Estados Unidos e o Canadá ainda não terem ratificado as duas convenções, '[deixando] milhões de mulheres e meninas sem as proteções oferecidas por esses tratados'.[9]:p.164 Concluindo, eles defendem que uma versão melhorada da Convenção de Belém do Pará, com maior ênfase nas obrigações imediatas dos Estados Partes, seria o melhor modelo para um tratado mundial de violência contra as mulheres, substituindo a não vinculativa Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (DEVAW) das Nações Unidas de 1993, desde que haja uma campanha permanente - preferencialmente liderada pelos sobreviventes de violência contra a mulher e seus defensores - pela ratificação universal por todos os estados do mundo. :p.164

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c Persadie, Natalie (2012). A critical analysis of the efficacy of law as a tool to achieve gender equality. University Press of America. Lanham, Md.: [s.n.] ISBN 978-0-761-85809-6 
  2. a b Meyer, Mary K. (editor); Prügl, Elisabeth (editor) (1999). Gender politics in global governance. Rowman & Littlefield. Lanham [u.a.]: [s.n.] pp. 65–66. ISBN 978-0-847-69161-6 
  3. «Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher» 
  4. «Inter-American Convention on the Prevention, Punishment, and Eradication of Violence Against Women - 1994». Inter-American Commission of Women. Consultado em 19 de março de 2020 
  5. «Inter-American Program on the Promotion of Women's Human Rights and Gender Equity and Equality» (PDF). Inter-American Program on Women. Consultado em 19 de março de 2020 
  6. «About the Belém do Pará Convention». Organization of American States 
  7. «Inter-American Convention on the Prevention, Punishment, and Eradication of Violence against Women (Convention of Belém do Pará) Status of signatures and ratifications» (PDF). Consultado em 19 de março de 2020 
  8. a b «A CIM - Comissão Interamericana de Mulheres - e o MESECVI - Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará — Observatório Brasil da Igualdade de Gênero» 
  9. a b c Manjoo, Rashida; Jones, Jackie (2018). The Legal Protection of Women From Violence: Normative Gaps in International Law. Routledge. Abingdon: [s.n.] ISBN 9781351732833