Transformada de Fourier

Em matemática, a transformada de Fourier é uma transformada integral que expressa uma função em termos de funções de base sinusoidal. Existem diversas variações diretamente relacionadas desta transformada, dependendo do tipo de função a transformar. A transformada de Fourier, epônimo a Jean-Baptiste Joseph Fourier,[1] decompõe uma função temporal (um sinal) em frequências, tal como um acorde de um instrumento musical pode ser expresso como a amplitude (ou volume) das suas notas constituintes. A transformada de Fourier de uma função temporal é uma função de valor complexo da frequência, cujo valor absoluto representa a soma das frequências presente na função original e cujo argumento complexo é a fase de deslocamento da base sinusoidal naquela frequência.

A transformada de Fourier é chamada de representação do domínio da frequência do sinal original. O termo transformada de Fourier refere-se a ambas representações do domínio frequência e à operação matemática que associa a representação domínio frequência a uma função temporal. A transformada de Fourier não é limitada a funções temporais, contudo para fins de convenção, o domínio original é comumente referido como domínio do tempo. Para muitas funções de interesse prático, pode-se definir uma operação de reversão: a transformada inversa de Fourier, também chamada de síntese de Fourier, de um domínio de frequência combina as contribuições de todas as frequências diferentes para a reconstituição de uma função temporal original.

Operações lineares aplicadas em um dos domínios(tempo ou frequência) resultam em operações correspondentes no outro domínio, o que, em certas ocasiões, podem ser mais fáceis de efetuar. A operação de diferenciação no domínio do tempo corresponde à multiplicação na frequência, o que torna mais fácil a análise de equações diferenciais no domínio da frequência. Além disso, a convolução no domínio temporal corresponde à multiplicação ordinária no domínio da frequência. Isso significa que qualquer sistema linear que não varia com o tempo, como um filtro aplicado a um sinal, pode ser expressado de maneira relativamente simples como uma operação nas frequências. Após realizar a operação desejada, a transformação do resultado alterna para o domínio do tempo. A Análise harmônica é o estudo sistemático da relação entre os domínios de tempo e frequência, incluindo os tipos de funções ou operações que são mais "simples" em um ou em outro, e possui ligações profundas a muitas áreas da matemática moderna.

Definição[editar | editar código-fonte]

Diversas notações são convencionadas para denotar a transformação de Fourier de uma função . Utilizaremos a seguinte representação:

A afirmação de que pode ser reconstruída a partir de é conhecida como o teorema da inversão de Fourier e foi introduzido no estudo Analytical Theory of Heat, de Fourier, apesar de que a definição moderna de demonstração teria sido construída muito tempo depois. As funções e são conhecidas como par integral de Fourier.

Introdução[editar | editar código-fonte]

Artigo principal: Análise de Fourier

Uma motivação para a transformada de Fourier vêm do estudo da série de Fourier. Nesse estudo, funções complicadas porém periódicas são escritas como o somatório de ondas simples matematicamente representadas por senos e cossenos. A transformada de Fourier é uma extensão da série de Fourier que resulta quando o período da função representada é maximizado, aproximando-se do infinito.

Nos primeiros quadros, uma função é representada por uma série de Fourier: uma combinação linear de senos e cossenos (em azul). As componentes frequência desses senos e cossenos distribuem-se ao longo do espectro de frequência; são representadas como deltas de Dirac no eixo . A representação do domínio da função é o conjunto desses picos nas frequências que aparecem na resolução da função.

Devido às propriedades dos senos e dos cossenos, é possível determinar a amplitude de cada onda da série de Fourier utilizando uma integração. Em muitos casos é desejável usar a identidade de Euler, , para escrever a série de Fourier em termos de ondas básicas . Esse procedimento possui a vantagem de simplificar muitas fórmulas envolvidas e provém uma formulação da série de Fourier que relembra a definição utilizada nesse artigo. Reescrevendo senos e cossenos como exponenciais complexas torna necessário que os coeficientes de Fourier sejam valores complexos. A intepretação usual desse número complexo é que ele fornece ambas amplitude (ou tamanho) da onda presente na função e a fase (ou ângulo inicial) da onda. Essas exponenciais complexas algumas vezes possuem "frequências" negativas. Se é medido em segundos, então ambas ondas e completam um ciclo por segundo mas representam frequências diferentes na transformada de Fourier. Assim, frequência não mais mede o número de ciclos por unidade de tempo, mas ainda possui interpretação similar.

Existe uma forte conexão entre as definições de série de Fourier e a transformada de Fourier para funções que são zero fora de um intervalo. Para tal função, pode-se calcular sua série de Fourier em qualquer intervalo que inclui os pontos onde não é identicamente zero. A transformada de Fourier também é definida para tal função. À medida que aumenta-se o comprimento do intervalo em que calcula-se a série de Fourier, então os coeficientes da série de Fourier começam a assemelhar-se à transformada de Fourier e o somatório da série de Fourier de começa a assemelhar-se à transformada inversa de Fourier. Para explicar isso mais precisamente, suponha que é suficientemente longo que o intervalo contenha o intervalo em que não seja identicamente zero. Então o n-ésimo termo do coeficiente será dado por

Comparando isso com a definição de transformada de Fourier, pode-se deduzir que

desde que seja nula fora do intervalo .

Sob certas condições, a série de Fourier de pode ser igual à função . Em outras palavras, pode ser escrita como

onde o segundo somatório é simplesmente o primeiro somatório reescrito, utilizando as definições e .

O segundo somatório configura uma soma de Riemann, e à medida em que ela convergirá para a integral da transformada de Fourier inversa apresentada na seção de Definição.

No estudo da série de Fourier os números podem ser interpretados como a "quantidade" da onda presente na série de Fourier de . Semelhantemente, como visto acima, a transformada de Fourier pode ser vista como a função que mensura o quanto de cada frequência individual encontra-se presente na função , e pode-se recombinar essas ondas com o uso da transformada inversa de Fourier, reproduzindo a função original.

Propriedades da transformada de Fourier[editar | editar código-fonte]

Assume-se aqui que , e são funções integráveis: Lebesgue-mensuráveis no domínio satisfazendo .

Denota-se as transformadas de Fourier destas funções como , e , respectivamente.

Propriedades básicas[editar | editar código-fonte]

A transformada de Fourier possui as seguintes propriedades básicas:

Linearidade ou superposição[editar | editar código-fonte]

Para quaisquer números complexos e , se , então

Demonstração:[2]

Essa demonstração vem direto da propriedade de linearidade da integral.

Seja: =

Deslocamento no eixo t[editar | editar código-fonte]

Considerando uma função e sua transformada de Fourier , então:

Demonstração:[3]

Translação ou deslocamento no tempo[editar | editar código-fonte]

Para qualquer número real , se , então

Demonstração:[4]

Fazendo e , obtemos:

Modulação ou deslocamento na frequência[editar | editar código-fonte]

Para qualquer número real , se , então

Demonstração:

Seja: =

Usando a definição de Transformada de Fourier:[5]

Mudança de escala[editar | editar código-fonte]

Para um número real não-nulo, se , então .

O caso leva à propriedade da inversão temporal, a qual afirma: se , então .

Demonstração:

Seja

Fazendo uma mudança de variável onde , temos:

Caso 1:

Chamando de

Caso 2:

Chamando agora de

Trocando por

Usando a propriedade da inversão temporal:

Ou seja, em todos os casos:[5]

Conjugação[editar | editar código-fonte]

Se , então ou

Em particular, se , têm-se a condição de realidade , ou seja, é uma função hermitiana.

Por outro lado, se é puramente imaginária então

Integração[editar | editar código-fonte]

Substituindo na definição, obtém-se que , ou seja, a avaliação da transformada de Fourier na origem corresponde à integral de sobre todo o eixo.

Assim, , onde é uma função integrável tal que sua transformada de Fourier satisfaça [6]

Transformada da derivada[editar | editar código-fonte]

Dada uma função diferenciável tal que

e sua transformada de Fourier , então:

Demonstração: de fato, usando integração por partes temos

Essa propriedade reflete o fato de que a transformada de Fourier decompõe a função em funções do tipo , cuja derivada é . De fato está propriedade poderia ter sido deduzida a partir da representação de em sua integral de Fourier, isto é:

Simetria e dualidade[editar | editar código-fonte]

Muitas vezes não se pensa em nenhuma unidade como sendo anexada às duas variáveis t e ξ. Mas em aplicações físicas, ξ deve ter unidades inversas às unidades de t. Por exemplo, se t é medido em segundos, ξ deve ser em frequência, para que as fórmulas mostradas aqui sejam válidas. Se a escala de t é alterada e t é medido na unidades de 2π segundos, então ξ deve estar na chamada "frequência angular", ou deve-se inserir algum fator de escala constante em algumas das fórmulas. Se t é medido em unidades de comprimento, ξ deve estar no comprimento inverso. Isto e para afirmar que existem duas cópias da linha real: uma medida em um conjunto de unidades, onde t varia, e outra em unidades inversas às unidades de t, e qual é o intervalo de ξ. Então, essas são duas cópias distintas da linha real e não podem ser identificadas umas com as outras. Portanto, a transformada de Fourier vai de um espaço de funções para um espaço diferente de funções: funções que têm um domínio diferente de definição.

Em geral, ξ deve ser sempre tomado como uma forma linear no espaço de ts, o que equivale a dizer que a segunda linha real é o espaço dual da primeira linha real. Veja o artigo sobre álgebra linear para uma explicação mais formal e para mais detalhes. Este ponto de vista torna-se essencial nas generalizações da transformada de Fourier para grupos gerais de simetria, incluindo o caso das séries de Fourier.

Que não existe uma maneira preferida (muitas vezes, diz-se "não canônico") para comparar as duas cópias da linha real que estão envolvidas na transformada de Fourier — fixar as unidades em uma linha não força a escala das unidades em a outra linha - é a razão para a multiplicidade de convenções rivais sobre a definição da transformada de Fourier. As várias definições resultantes de diferentes escolhas de unidades diferem por várias constantes

Dada uma função f(t) e sua transformada F(w) então :

como antes, porem a alternativa correspondente a inversão da equação deve ser:

Para se obter uma equação com a frequência angular mas mais simétrica entre a transformada de Fourier e a equação de inversão. Comumente se a usa alternativa da transformada de Fourier, com o fator logo:

e a equação de inversão correspondente:

Em algumas convenções incomuns, como aquelas empregadas pelo comando FourierTransform da Wolfram Language, a transformada de Fourier tem i no expoente em vez de −i, e vice-versa para a fórmula de inversão. Muitas das identidades que envolvem a transformada de Fourier permanecem válidas naquelas convenções, desde que todos os termos que explicitamente envolvem a substituam por −i.

Por exemplo, na teoria da probabilidade, a função característica ϕ da função de densidade de probabilidade f de uma variável aleatória X de tipo contínuo é definida sem um sinal negativo no exponencial e, como as unidades de x são ignoradas, não há 2π:

(Na teoria das probabilidades, e na estatística matemática, o uso da transformada de Fourier-Stieltjes é preferido, porque muitas variáveis ​​aleatórias não são do tipo contínuo, e não possuem uma função de densidade, e é preciso tratar funções de distribuição descontínuas, ou seja, medidas que possuem "átomos".

Do ponto de vista mais elevado dos caracteres do grupo, que é muito mais abstrato, todas essas escolhas arbitrárias desaparecem, como será explicado na seção posterior deste artigo, sobre a noção da transformada de Fourier de uma função em um grupo local compacto abeliano. .

Continuidade uniforme e o lema de Riemann-Lebesgue[editar | editar código-fonte]

A função retangular e uma integral de Lebesgue

A transformada de Fourier pode ser definida em alguns casos para funções não integráveis, mas as transformadas de Fourier de funções integráveis possuem várias propriedades fortes.

A transformada de Fourier f̂ de qualquer função integrável f é uniformemente contínua e[7]

Pelo lema de Riemann-Lebesgue:[8]

No entanto, não precisa ser integrável. Por exemplo, a transformada de Fourier da função retangular, que é integrável, é a função sinc, que não é integrável de Lebesgue, porque suas integrais impróprias se comportam analogamente à série harmônica alternada, convergindo para uma soma sem ser absolutamente convergente. Geralmente não é possível escrever a transformada inversa como uma integral de Lebesgue. No entanto, quando f e são integráveis, a igualdade inversa

A função Sinc , que e a transformada da função retangular, e fixa e continua mas não e uma integral de Lebesgue.

mantém quase todos os lugares. Ou seja, a transformada de Fourier é injetiva em L1(). (Mas se f é contínuo, então a igualdade vale para todo x.)

Teorema de Parseval[editar | editar código-fonte]

Seja f(t) uma função real ou complexa e F(w) sua transformada de Fourier, então vale a seguinte identidade:

Demonstração: Partiremos da representação da função f(t) em sua forma integral de Fourier:

e, consequentemente,

e inserimos essa expressão na integral envolvida:

Essa integral está associada ao conceito de energia total de um sinal.

Princípio da incerteza[editar | editar código-fonte]

No contexto das propriedades da Transformada de Fourier, o Princípio da Incerteza expressa a seguinte estimativa:[2] , válida para uma real que satisfaça e que tenha como sua transformada de Fourier.

Demonstração:

1) Observa-se que: ;

2) Integra-se o segundo termo da igualdade acima utilizando o método de integração por partes onde , , e :

;

3) Usa-se a desigualdade de Cauchy-Schwarz, definida como :

;

4) Aplica-se o Teorema de Parseval:

.

E, finalmente, temos: .

Diferenciação[editar | editar código-fonte]

Suponha que seja uma função diferenciável e ambas e sua derivada são integráveis. Então a transformada de Fourier da derivada é dada por:

Demonstração:

Por Integração por partes, obtemos:

Tendo que:


Mais amplamente, a transformada de Fourier da n-ésima derivada é dada por:

Ao aplicar a transformada de Fourier e utilizar tais propriedades, algumas equações diferenciais ordinárias podem ser transformadas em equações algébricas, que possuem complexidade reduzida. Estas propriedades também implicam que " é suave se, e somente se, decai rapidamente para quando ". Utilizando a regra análoga para a transformada inversa de Fourier, pode-se dizer que " decai rapidamente para quando se, e somente se, é suave".

Derivada da transformada[editar | editar código-fonte]

[9]

Teorema da convolução[editar | editar código-fonte]

A transformada de Fourier translada entre convolução e multiplicação de funções. Se e são funções integráveis com as transformadas de Fourier e , respectivamente, então a transformada de Fourier da convolução é dada pelo produto das transformadas de Fourier e .

Isso significa que, se

então

Em sistemas lineares invariantes no tempo, é comum interpretar como a resposta ao impulso do sistema com como entrada e como a saída, já que substituindo a unidade de impulso por obtém-se . Neste caso, representa a frequência de resposta do sistema.

Fenômeno de Gibbs[editar | editar código-fonte]

Fenômeno de Gibbs: Análise de Fourier: Um Livro Colaborativo

A convergência das somas parciais da série de Fourier de uma função suave por partes em torno de um salto apresenta oscilações cujas amplitudes não convergem para zero. A convergência ponto a ponto acontece, no entanto ao analisar o valor absoluto da diferença entre a função e a soma parcial tem-se que o valor é aproximadamente 8,9% da amplitude do salto.

Se é T-periódico e suave por partes e possui uma descontinuidade por salto, então da amplitude do salto, onde e

Esse fenômeno é chamado de fenômeno de Gibbs.[10]

Diagramas de espectro[editar | editar código-fonte]

Diagrama de espectro da transformada de Fourier é a representação gráfica da transformada de Fourier associadas a uma função . Da mesma forma como o diagrama de espectro da série de Fourier se divide em amplitude e fase, o diagrama de espectro da transformada de Fourier se divide em magnitude e em fase. Ou seja, o gráfico de e a diagrama de Magnitude e o gráfico de e o diagrama de fase, onde

Diagrama espectro de magnitude da transformada de Fourier de uma sinal
Diagrama de magnitude de

Quando a transformada de uma função apresenta algum componente imaginário, para melhor analise dessa transformada é feito o diagrama da fase para mais informações da função analisada. Com os dois diagramas é possível ter informações a mais da função sem ver ela escrita seja de forma exponencial ou trigonométrica. A fase é calculada como (considerando A a componente imaginaria e B a componente real da função resultante da transformada) sendo usualmente representada de [-π ,π].

Representações da transformada de Fourier[editar | editar código-fonte]

Forma trigonométrica[editar | editar código-fonte]

A forma exponencial da transformada de Fourier é definida como .[2]

Sendo uma função real, é possível separar em parcela real e imaginaria da transformada de Fourier:

Assim, e

Com esta definição pode-se escrever a função como:

Sendo A(w) uma função par e B(w) uma função ímpar, temos:

.

Tabela de comparação entre entre as formas trigonométricas e exponencial das séries e transformadas de Fourier:[2]

Forma exponencial Forma trigonométrica
Séries de Fourier
Transformada de Fourier

Simetria e paridade[editar | editar código-fonte]

O par de funções e exibem propriedades interessantes com relação à simetria e à paridade. Por exemplo, se for uma função par, também o é. Essas propriedades muitas vezes ajudam na análise e inclusive no cálculo da transformada. Por exemplo, se for par, o intervalo de integração pode ser alterado para em lugar de , dobrando-se o valor calculado da integral. Algumas relações importantes estão listadas na tabela abaixo.

Simetria dos pares de Fourier[11]